terça-feira, 25 de abril de 2017

Reflexão sobre a relação entre trabalho e depressão

Se a esperança é a última que morre então talvez seja melhor revermos nossos conceitos antes que mais vidas sejam perdidas. Muito se fala sobre doenças físicas, mas nem sempre é necessário ter uma ferida sangrando para se estar doente. É óbvio que falar sobre o que se vê e sobre o que conhece é muito mais fácil do que abordar algo invisível. Não sou médico, mas hoje tentarei mostrar a relação entre sociedade, política e depressão. Afinal, esta última é uma doença que cresce na mesma velocidade da evolução tecnológica e infelizmente ainda não é dada a devida atenção. Em tempos cujo jogo da moda é o chamado "baleia azul" é preciso dar mais atenção ao que está dentro do ser humano. 

A taxa de depressão no Brasil é de 5,8% da população. Olhando friamente os números parecem pequenos não é mesmo? Entretanto, estamos falando de mais de 12 milhões de pessoas só em nosso país. O Brasil é o país que possui o povo mais ansioso da América Latina: 9,3% da sua população sofre de ansiedade. Os números não param por aí, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) aproximadamente 322 milhões de pessoas em todo o planeta são depressivas. O fato de termos poucas informações para detecção e combate torna a doença um assunto muito mais sério do que a superficialidade cujo tema é tratado (às vezes de forma até preconceituosa). O desconhecido traz medo e incerteza para o ser humano e é natural que assim seja. De modo similar pode-se citar a tratativa para com a morte, tema que ainda causa desconforto devido ao seu fator de mistério.

Recentemente noticiou-se a tentativa de suicídio entre alunos do curso de medicina da USP, devido sobretudo à pressão do curso em si e também ao desprezo do convívio social oriundo de outros alunos do mesmo curso. De modo mais amplo tem-se os desafios do jogo denominado de "baleia azul" que levam os participantes a atos agressivos e hostis, algumas vezes acompanhado de mutilações e até mesmo levando ao suicídio em alguns casos. Tal jogo não é particularidade do Brasil, espalhando-se entre os jovens do mundo inteiro, desiludidos com a vida. O próprio nome do jogo refere-se a uma espécie de baleia que supostamente comete suicídio É nesse contexto que nos perguntamos: qual a razão de tudo isso? É aqui que busco a razão para ligar tais fatos à cultura capitalista de devoção ao trabalho e a desilusão dos jovens para com o futuro, muito devido à corrupção.

Somos seres sociais, de modo que precisamos do convívio para nos sentirmos reconhecidos e completos. Tal reconhecimento vai muito além da ostentação de hoje, bastante divulgada em músicas e meios de comunicação. O ser só atinge a sua plenitude diante de uma relação real acompanhada do sentimento de dever cumprido. Quem nunca se sentiu bem ao ajudar outrem? Entretanto, vivemos em um sistema cujas relações (em sua maioria) são construídas de forma a se obter vantagem e lucro. Não só isso, boa parte da população não vive realmente e não me refiro somente à realidade virtual. Entenda o não viver como sinônimo de sobreviver.

Não há mais tempo de sobra para rever os parentes com frequência, não há tempo de sobra para marcar encontros com amigos, não há tempo sequer para olhar para o céu e admirar as nuvens e as estrelas. Já ouvi questionamentos sobre qual seria o motivo de gregos, egípcios e demais povos antigos serem tão avançados. Talvez a resposta seja o tempo. Hoje o trabalho nos consome quase que totalmente e isso serve tanto para quem está trabalhando como para quem está desempregado.

Quem está trabalhando preocupa-se em manter o trabalho ou em obter algo melhor. Quem está desempregado vive sob a angustia da falta de emprego e consome o seu tempo na busca por recursos, dividindo o seu dia em envio de currículos para vagas e preocupação pelo sustento familiar. Assim nos tornamos reféns do sistema, pagando tributos abusivos sem ter o mínimo de retorno em troca. Assim nos tornamos escravos, mesmo que assalariados. Preocupados com a crise, muitos se submetem a relações de trabalho unilaterais, com salários baixos e situação precária ao trabalhador, que favorecem somente ao empresário. O pior é olhar para frente e não ter perspectiva de melhora, com reformas divulgadas como desenvolvimento, mas que na verdade podem trazer um grande retrocesso.

E como é o dinheiro que manda em uma sociedade capitalista, então o tempo, os amigos e a família acabam ficando em segundo plano. E é assim que ano após ano o número de depressão aumenta pelos quatro cantos do mundo. Essa apatia gera desânimo, esse desânimo gera tristeza, essa tristeza gera depressão, essa depressão gera mortes (mesmo para quem sobrevive). A importância do trabalho para a construção da sociedade é inegável, mas deve ser discutido de que forma deve ser feito. Não faz sentido prender um trabalhador 10 horas no ambiente de trabalho (fora o tempo gasto no deslocamento) e deixar milhões de desempregados do lado de fora. Não faz sentido uma pessoa estudar a vida inteira para ganhar um salário mínimo.

Devido à má administração de recursos públicos a população adoece. Nessa superpolução e conurbação urbana nos sentimos apenas mais um entre tantos. Com essa relação trabalhista precária, que nem gera empregos, temos como consequência não só a falta de saúde, mas também a instabilidade emocional e a falta de segurança; afinal, não é por acaso que a violência aumenta quando o desemprego aumenta. No cenário internacional temos a xenofobia e até mesmo a ascensão da extrema direita deixando o mundo um pouco mais perigoso (tudo com influência do desemprego). Gostaria de acreditar no acaso, mas acho que nem nisso acredito mais. O que temos como resultado é a apatia e o conflito social, como diria o grande pensador Axel Honneth. Portanto, é possível concluir que corrupção mata. 

Como reflexão final deixo a letra de uma banda cujas canções estão entre as mais relevantes de todos os tempos:

"Eu sou o filho
Eu sou o herdeiro
De uma timidez que é criminalmente vulgar
Sou o filho e o herdeiro
De nada em particular
Você cale a sua boca
Como você pode dizer
Que faço as coisas do modo errado?
Sou humano e preciso ser amado
Assim como todo mundo precisa
(...)
Quando você diz que vai acontecer "agora"
Bem, quando exatamente você quis dizer?
Veja, eu já esperei demais
E toda minha esperança se foi."

How soon is now? (The Smiths)

sábado, 15 de abril de 2017

Reflexão e crítica em poema

Dinheiro é tempo, é gerador, é crédito, eterno débito
Valor é ser dono, proprietário, senhor, empresário
Moeda é prazer, é material, tão natural quanto átomos, moléculas e palavras
O erro é dos outros
Dinheiro é especulação, compra, venda e troca
Orgulho é a ascensão e decadência pessoal ou de um império
Capital é moeda, negócio, ganho futuro enrolado em presente
Real é dólar, euro, virtual (legal ou ilegal)
Dinheiro é riso, liberdade, eterna prisão
Lágrima é tudo o que está fora do poder aquisitivo
Investimento é retorno, abuso e suborno
Fama é ostentação, luxo e lixo
Capitalismo é religião, espírito, fé de um pagão
Parcela é juros, simples, composto e ilusão
Dívida é soma, multiplicação exponencial resultando em subtração
Riqueza é ouro, prata, bronze e vidros em cacos
Lucro é cálculo racional, material e totalitário
Trabalho é divino, obrigação, requisito mínimo para aceitação
Capital é produto, selvagem e artificial
Dinheiro é sedução, desejo, vontade incontrolável e violação explícita
Meritocracia é indicação, seleção, entrevista, recurso individualista
Capital é mais, é o centro, é tudo, menos o outro
Desenvolvimento é descoberta, povoamento, exploração alheia
Explicação é impor a vontade, dominação
Domínio é poder, dogma, doutrina e paradigma
Resposta é reclamação, dúvida e cobrança indevida
Igualdade é particular, privada, submissa
Valor é instituição, instinto, eucentrismo
Objetivo é ser primeiro, primeiro e nada além do que o primeiro
Monopólio é interesse, supremacia, acordo unilateral
Concorrência é o outro, adversário e inimigo
O jogo é ideológico, econômico e político
Dinheiro é propaganda, comercial, companhia limitada.

"Eu assumo a culpa
Sem direção, tão fácil de ver
Uma arma carregada não te fará livre
Assim você diz (...)
Na esperança de algo mais
Eu me vendo neste momento esperando por algo mais"

New Dawn Fades - Unknown Pleasures (Joy Division)


sábado, 8 de abril de 2017

Reflexão sobre a política utilizada no sistema internacional

Mais uma vez o mundo se vê diante de uma queda de braços entre potências no jogo da política externa cujos atores centrais novamente são os EUA e a Rússia. Nesse xadrez de interesses o tabuleiro da vez é a Síria (prática comum entre tais jogadores desde a Guerra Fria). O território alheio é entendido como quintal de casa para a elaboração de estratégias próprias, apagando a soberania que ali outrora existira (mesmo com suas limitações). Mas a questão central não está restrita na divergência entre as duas maiores potências militares do planeta porque toda essa tensão de guerra e escalada de violência nunca cessou. Não há nada de novo nos vales da morte e nos lagos de sangue. A diferença é que o foco das lentes por vezes se voltam para as questões de defesa e segurança, mas a violência sempre esteve ali e aqui também.

Podemos iniciar esta reflexão com o choque do mundo ao comprovar o uso de armas químicas. Tal tática militar é condenada pela sociedade internacional desde as duas grandes guerras mundiais, sendo que não fora a primeira vez em que armas químicas foram usadas na guerra da Síria. Eis que Trump subitamente é tomado por um sentimento de direitos humanos e resolve atacar bases militares do governo Bashar al-Assad, de forma unilateral, em retaliação ao uso das armas químicas. Tal atitude demonstra que o século XXI não chegou ainda nas relações internacionais, mostrando assim a impotência das organizações internacionais como a ONU. Esta constatação não é nova, pois já fora levantada no início do século passado pelos realistas.

O ponto aqui não é a retaliação em si, mas as reais intenções por trás do ataque. Parece-me claro que objetivo dos EUA é marcar território no conflito, demonstrando sua força e relevância dentro do cenário político internacional. A desculpa de que tal ataque é apenas uma resposta pelo uso de armas químicas é fraco, pois dá a entender que podem continuar a matança, desde que usadas armas tradicionais como tanques, canhões e fuzis. O fato é que a guerra da Síria já dura mais de seis anos, tendo sido alvo de reflexão neste blog no ano passado, e uma ação humanista deveria ser tomada há muito tempo. O real interesse dos envolvidos no conflito não são as pessoas, muito menos suas vidas. A guerra, o terrorismo e a imigração são alimentos necessários para convicções nacionalistas que querem voltar ao poder por meio do medo. Esse discurso é adotado também por aqueles que já estão no poder e pretendem se manter no trono.

Trump minimiza o próprio país para dizer que o fará grande novamente. Passou a campanha inteira dizendo que iria se voltar para assuntos internos, mas é preciso manter a sua imagem e a do próprio país no cenário internacional, já que vinham perdendo espaço. Nada na política é por acaso e há sempre segundas intenções por trás de um dado motivo. A argumentação nacionalista precisa do terrorismo e dos imigrantes para se manterem e proliferarem sua ideologia. Assim, o sistema internacional vive uma fragmentação em que governantes dizem "meu país em primeiro lugar". Com as eleições na França e na Alemanha se aproximando, pergunto-me como será quando todos colocarem o seu respectivo país em primeiro lugar. O atual cenário parece mais o início do século XX do que o próprio século XXI. Acho que não mudamos de estações. A Rússia se fortalece com o seu patriotismo e com as intervenções realizadas tanto na Crimeia quanto na Síria, mesmo realizando atrocidades. Mesmo com as diferenças, Trump, Putin, al-Assad, Kim Jong-un, o Estado Islâmico e tantos outros envolvidos em conflitos mundo afora possuem algo em comum: a necessidade de ter um inimigo.

Se podemos definir a paz como a suspensão temporária dos conflitos interestatais então não seria exagero afirmar que há tempos (para não dizer nunca) que o sistema internacional não vivencia tal situação. O que muda é a intensidade: ora a guerra se faz de forma generalizada e explícita, ora se faz de forma localizada e discreta. Tais conflitos se dão diante da dificuldade em se determinar o monopólio do uso legítimo da força. O Estado nacional preocupa-se com o bem-estar dentro de suas fronteiras e não com o bem-estar mundial. Cada nação tenta impor o seu interesse na agenda internacional, já que o sistema internacional não possui um governo central. O problema está na anomia dos membros que não respeitam as normas estabelecidas. O estado de anarquia internacional é o grande responsável pela manutenção do equilíbrio entre os diferentes atores e pelo progresso mundial, ao contrário do caos que muitos teóricos lhe atribuem. Se acaso algum Estado impor as suas regras para reger o sistema internacional, sobrepondo diferentes pontos de vista e culturas, aí sim estaríamos no verdadeiro caos.

O foco do Estado na política externa é a própria segurança (sobrevivência). Por isso afirmei anteriormente que a grande questão não está necessariamente nas armas químicas ou na Guerra da Síria. Existem tantos segredos de Estado que dominam a história e traçam o destino da humanidade. Segredos que a maioria da população nunca saberá. A verdade nunca foi prioridade dos governos e por esse motivo é difícil acreditar em argumentos, sobretudo em momentos em que há extrema polaridade. É difícil saber quem é o real infrator quando se vive em um estado de sabotagem, notícias forjadas e espionagem. Vale lembrar que as mesmas armas químicas foram o fator determinante para a invasão do Iraque pelos EUA que apresentaram várias "provas", sendo que mais tarde provaram-se mentirosas, conturbando ainda mais a região do Oriente Médio. Não existem vilões ou heróis, mas sim interesses baseados no próprio ponto de vista.

A grande questão é o modo como as nações enxergam a si mesmas e aos outros, baseada em um sistema egoísta e individual de satisfação total dos próprios interesses. A guerra é uma política arcaica sendo realizada até os dias de hoje, sendo una de formas múltiplas. Afinal: como classificar a violência urbana brasileira e a morte de inocentes? Como classificar o terrorismo que fez mais vítimas na Inglaterra, Rússia e Suécia utilizando-se não só de bombas, mas também de automóveis? Como classificar não só as armas químicas, mas também nucleares, pólvoras e tantas outras formas de ceifar vidas humanas? A guerra (interna ou externa) é praticamente um rito de sangue realizada pela tribo dos homens para impor a sua vontade e satisfazer os próprios desejos.

Todos procuram o próprio bem e é natural que assim seja. Entretanto, é preciso saber até que ponto é possível ir para alcançar determinado objetivo para si sem afetar o próximo. Creio que estamos carentes de tal reflexão.