Se a esperança é a última que morre então talvez seja melhor revermos nossos conceitos antes que mais vidas sejam perdidas. Muito se fala sobre doenças físicas, mas nem sempre é necessário ter uma ferida sangrando para se estar doente. É óbvio que falar sobre o que se vê e sobre o que conhece é muito mais fácil do que abordar algo invisível. Não sou médico, mas hoje tentarei mostrar a relação entre sociedade, política e depressão. Afinal, esta última é uma doença que cresce na mesma velocidade da evolução tecnológica e infelizmente ainda não é dada a devida atenção. Em tempos cujo jogo da moda é o chamado "baleia azul" é preciso dar mais atenção ao que está dentro do ser humano.
A taxa de depressão no Brasil é de 5,8% da população. Olhando friamente os números parecem pequenos não é mesmo? Entretanto, estamos falando de mais de 12 milhões de pessoas só em nosso país. O Brasil é o país que possui o povo mais ansioso da América Latina: 9,3% da sua população sofre de ansiedade. Os números não param por aí, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) aproximadamente 322 milhões de pessoas em todo o planeta são depressivas. O fato de termos poucas informações para detecção e combate torna a doença um assunto muito mais sério do que a superficialidade cujo tema é tratado (às vezes de forma até preconceituosa). O desconhecido traz medo e incerteza para o ser humano e é natural que assim seja. De modo similar pode-se citar a tratativa para com a morte, tema que ainda causa desconforto devido ao seu fator de mistério.
Recentemente noticiou-se a tentativa de suicídio entre alunos do curso de medicina da USP, devido sobretudo à pressão do curso em si e também ao desprezo do convívio social oriundo de outros alunos do mesmo curso. De modo mais amplo tem-se os desafios do jogo denominado de "baleia azul" que levam os participantes a atos agressivos e hostis, algumas vezes acompanhado de mutilações e até mesmo levando ao suicídio em alguns casos. Tal jogo não é particularidade do Brasil, espalhando-se entre os jovens do mundo inteiro, desiludidos com a vida. O próprio nome do jogo refere-se a uma espécie de baleia que supostamente comete suicídio É nesse contexto que nos perguntamos: qual a razão de tudo isso? É aqui que busco a razão para ligar tais fatos à cultura capitalista de devoção ao trabalho e a desilusão dos jovens para com o futuro, muito devido à corrupção.
Somos seres sociais, de modo que precisamos do convívio para nos sentirmos reconhecidos e completos. Tal reconhecimento vai muito além da ostentação de hoje, bastante divulgada em músicas e meios de comunicação. O ser só atinge a sua plenitude diante de uma relação real acompanhada do sentimento de dever cumprido. Quem nunca se sentiu bem ao ajudar outrem? Entretanto, vivemos em um sistema cujas relações (em sua maioria) são construídas de forma a se obter vantagem e lucro. Não só isso, boa parte da população não vive realmente e não me refiro somente à realidade virtual. Entenda o não viver como sinônimo de sobreviver.
Não há mais tempo de sobra para rever os parentes com frequência, não há tempo de sobra para marcar encontros com amigos, não há tempo sequer para olhar para o céu e admirar as nuvens e as estrelas. Já ouvi questionamentos sobre qual seria o motivo de gregos, egípcios e demais povos antigos serem tão avançados. Talvez a resposta seja o tempo. Hoje o trabalho nos consome quase que totalmente e isso serve tanto para quem está trabalhando como para quem está desempregado.
Quem está trabalhando preocupa-se em manter o trabalho ou em obter algo melhor. Quem está desempregado vive sob a angustia da falta de emprego e consome o seu tempo na busca por recursos, dividindo o seu dia em envio de currículos para vagas e preocupação pelo sustento familiar. Assim nos tornamos reféns do sistema, pagando tributos abusivos sem ter o mínimo de retorno em troca. Assim nos tornamos escravos, mesmo que assalariados. Preocupados com a crise, muitos se submetem a relações de trabalho unilaterais, com salários baixos e situação precária ao trabalhador, que favorecem somente ao empresário. O pior é olhar para frente e não ter perspectiva de melhora, com reformas divulgadas como desenvolvimento, mas que na verdade podem trazer um grande retrocesso.
E como é o dinheiro que manda em uma sociedade capitalista, então o tempo, os amigos e a família acabam ficando em segundo plano. E é assim que ano após ano o número de depressão aumenta pelos quatro cantos do mundo. Essa apatia gera desânimo, esse desânimo gera tristeza, essa tristeza gera depressão, essa depressão gera mortes (mesmo para quem sobrevive). A importância do trabalho para a construção da sociedade é inegável, mas deve ser discutido de que forma deve ser feito. Não faz sentido prender um trabalhador 10 horas no ambiente de trabalho (fora o tempo gasto no deslocamento) e deixar milhões de desempregados do lado de fora. Não faz sentido uma pessoa estudar a vida inteira para ganhar um salário mínimo.
Devido à má administração de recursos públicos a população adoece. Nessa superpolução e conurbação urbana nos sentimos apenas mais um entre tantos. Com essa relação trabalhista precária, que nem gera empregos, temos como consequência não só a falta de saúde, mas também a instabilidade emocional e a falta de segurança; afinal, não é por acaso que a violência aumenta quando o desemprego aumenta. No cenário internacional temos a xenofobia e até mesmo a ascensão da extrema direita deixando o mundo um pouco mais perigoso (tudo com influência do desemprego). Gostaria de acreditar no acaso, mas acho que nem nisso acredito mais. O que temos como resultado é a apatia e o conflito social, como diria o grande pensador Axel Honneth. Portanto, é possível concluir que corrupção mata.
Como reflexão final deixo a letra de uma banda cujas canções estão entre as mais relevantes de todos os tempos:
"Eu sou o filho
Eu sou o herdeiro
De uma timidez que é criminalmente vulgar
Sou o filho e o herdeiro
De nada em particular
Você cale a sua boca
Como você pode dizer
Que faço as coisas do modo errado?
Sou humano e preciso ser amado
Assim como todo mundo precisa
(...)
Quando você diz que vai acontecer "agora"
Bem, quando exatamente você quis dizer?
Veja, eu já esperei demais
E toda minha esperança se foi."
How soon is now? (The Smiths)