sábado, 8 de abril de 2017

Reflexão sobre a política utilizada no sistema internacional

Mais uma vez o mundo se vê diante de uma queda de braços entre potências no jogo da política externa cujos atores centrais novamente são os EUA e a Rússia. Nesse xadrez de interesses o tabuleiro da vez é a Síria (prática comum entre tais jogadores desde a Guerra Fria). O território alheio é entendido como quintal de casa para a elaboração de estratégias próprias, apagando a soberania que ali outrora existira (mesmo com suas limitações). Mas a questão central não está restrita na divergência entre as duas maiores potências militares do planeta porque toda essa tensão de guerra e escalada de violência nunca cessou. Não há nada de novo nos vales da morte e nos lagos de sangue. A diferença é que o foco das lentes por vezes se voltam para as questões de defesa e segurança, mas a violência sempre esteve ali e aqui também.

Podemos iniciar esta reflexão com o choque do mundo ao comprovar o uso de armas químicas. Tal tática militar é condenada pela sociedade internacional desde as duas grandes guerras mundiais, sendo que não fora a primeira vez em que armas químicas foram usadas na guerra da Síria. Eis que Trump subitamente é tomado por um sentimento de direitos humanos e resolve atacar bases militares do governo Bashar al-Assad, de forma unilateral, em retaliação ao uso das armas químicas. Tal atitude demonstra que o século XXI não chegou ainda nas relações internacionais, mostrando assim a impotência das organizações internacionais como a ONU. Esta constatação não é nova, pois já fora levantada no início do século passado pelos realistas.

O ponto aqui não é a retaliação em si, mas as reais intenções por trás do ataque. Parece-me claro que objetivo dos EUA é marcar território no conflito, demonstrando sua força e relevância dentro do cenário político internacional. A desculpa de que tal ataque é apenas uma resposta pelo uso de armas químicas é fraco, pois dá a entender que podem continuar a matança, desde que usadas armas tradicionais como tanques, canhões e fuzis. O fato é que a guerra da Síria já dura mais de seis anos, tendo sido alvo de reflexão neste blog no ano passado, e uma ação humanista deveria ser tomada há muito tempo. O real interesse dos envolvidos no conflito não são as pessoas, muito menos suas vidas. A guerra, o terrorismo e a imigração são alimentos necessários para convicções nacionalistas que querem voltar ao poder por meio do medo. Esse discurso é adotado também por aqueles que já estão no poder e pretendem se manter no trono.

Trump minimiza o próprio país para dizer que o fará grande novamente. Passou a campanha inteira dizendo que iria se voltar para assuntos internos, mas é preciso manter a sua imagem e a do próprio país no cenário internacional, já que vinham perdendo espaço. Nada na política é por acaso e há sempre segundas intenções por trás de um dado motivo. A argumentação nacionalista precisa do terrorismo e dos imigrantes para se manterem e proliferarem sua ideologia. Assim, o sistema internacional vive uma fragmentação em que governantes dizem "meu país em primeiro lugar". Com as eleições na França e na Alemanha se aproximando, pergunto-me como será quando todos colocarem o seu respectivo país em primeiro lugar. O atual cenário parece mais o início do século XX do que o próprio século XXI. Acho que não mudamos de estações. A Rússia se fortalece com o seu patriotismo e com as intervenções realizadas tanto na Crimeia quanto na Síria, mesmo realizando atrocidades. Mesmo com as diferenças, Trump, Putin, al-Assad, Kim Jong-un, o Estado Islâmico e tantos outros envolvidos em conflitos mundo afora possuem algo em comum: a necessidade de ter um inimigo.

Se podemos definir a paz como a suspensão temporária dos conflitos interestatais então não seria exagero afirmar que há tempos (para não dizer nunca) que o sistema internacional não vivencia tal situação. O que muda é a intensidade: ora a guerra se faz de forma generalizada e explícita, ora se faz de forma localizada e discreta. Tais conflitos se dão diante da dificuldade em se determinar o monopólio do uso legítimo da força. O Estado nacional preocupa-se com o bem-estar dentro de suas fronteiras e não com o bem-estar mundial. Cada nação tenta impor o seu interesse na agenda internacional, já que o sistema internacional não possui um governo central. O problema está na anomia dos membros que não respeitam as normas estabelecidas. O estado de anarquia internacional é o grande responsável pela manutenção do equilíbrio entre os diferentes atores e pelo progresso mundial, ao contrário do caos que muitos teóricos lhe atribuem. Se acaso algum Estado impor as suas regras para reger o sistema internacional, sobrepondo diferentes pontos de vista e culturas, aí sim estaríamos no verdadeiro caos.

O foco do Estado na política externa é a própria segurança (sobrevivência). Por isso afirmei anteriormente que a grande questão não está necessariamente nas armas químicas ou na Guerra da Síria. Existem tantos segredos de Estado que dominam a história e traçam o destino da humanidade. Segredos que a maioria da população nunca saberá. A verdade nunca foi prioridade dos governos e por esse motivo é difícil acreditar em argumentos, sobretudo em momentos em que há extrema polaridade. É difícil saber quem é o real infrator quando se vive em um estado de sabotagem, notícias forjadas e espionagem. Vale lembrar que as mesmas armas químicas foram o fator determinante para a invasão do Iraque pelos EUA que apresentaram várias "provas", sendo que mais tarde provaram-se mentirosas, conturbando ainda mais a região do Oriente Médio. Não existem vilões ou heróis, mas sim interesses baseados no próprio ponto de vista.

A grande questão é o modo como as nações enxergam a si mesmas e aos outros, baseada em um sistema egoísta e individual de satisfação total dos próprios interesses. A guerra é uma política arcaica sendo realizada até os dias de hoje, sendo una de formas múltiplas. Afinal: como classificar a violência urbana brasileira e a morte de inocentes? Como classificar o terrorismo que fez mais vítimas na Inglaterra, Rússia e Suécia utilizando-se não só de bombas, mas também de automóveis? Como classificar não só as armas químicas, mas também nucleares, pólvoras e tantas outras formas de ceifar vidas humanas? A guerra (interna ou externa) é praticamente um rito de sangue realizada pela tribo dos homens para impor a sua vontade e satisfazer os próprios desejos.

Todos procuram o próprio bem e é natural que assim seja. Entretanto, é preciso saber até que ponto é possível ir para alcançar determinado objetivo para si sem afetar o próximo. Creio que estamos carentes de tal reflexão.



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