Chega a ser repetitivo ouvir e ler tanto sobre democracia. O problema não é abordar o assunto em si, mas sim a falta de informação e superficialidade cujo tema é tratado. Falar em democracia parece tão simples e clichê que muito se fala sem ao menos saber o seu significado. Pois bem, aqui estamos para refletir sobre a sua origem, desenvolvimento, atualidade e futuro.
O termo tem origem no século V a.C na Grécia Antiga, onde demos significa povo e kratos significa poder. Portanto, aqui temos o nascimento do conceito de governo do povo. Entretanto, a democracia idealizada pelos gregos e praticada na polis (cidade-Estado) de Atenas foi bem diferente do que se conhece por democracia hoje em dia. A participação era direta e baseava-se em três princípios fundamentais: (a) isegoria (igualdade de fala em assembleia); (b) isocracia (igualdade entre cidadãos para acesso ao poder); (c) isonomia (igualdade dos cidadãos diante da lei). Ou seja, o cidadão ateniense participativa ativamente da política, sem qualquer intermediação. Há de se ressaltar que naquele contexto cidadãos eram homens livres, gregos e filhos de pais gregos. Desse modo, excluía-se dos assuntos políticos os estrangeiros, mulheres e escravos (reduzindo consideravelmente o percentual de cidadãos). Outra curiosidade é o fato dos cargos públicos serem preenchidos por sorteio (bem diferente da atualidade).
O modelo atual de democracia representativa ganhou impulso com o fim do absolutismo europeu seguindo os modelos da Inglaterra e França do século XVIII. A participação do cidadão é realizada por meio do voto, escolhendo assim os seus representantes em eleições periódicas (trauma do absolutismo monárquico medieval). Como motivos para essa mudança pode-se citar: (a) aumento exponencial no número populacional; (b) extensão territorial, onde as polis (cidades) transformaram-se em Estado-nação (países); (c) tempo para participação do cidadão, tendo em vista que na Grécia o sistema era escravocrata e os cidadãos possuíam disponibilidade para tratar dos assuntos da polis; (d) sufrágio universal.
A grande pergunta que fica é como chamar de democracia dois modelos distintos. O austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950) afirmava que a representação é apenas a oportunidade do povo escolher a elite que o governará e o que vemos hoje são sintomas assertivos dessa afirmação pessimista. Visando sanar a contradição na aplicação do termo para conceitos diferentes, Robert Dahl introduziu o conceito de poliarquia, que seriam sistemas políticos de grade escala, de elevada liberalização e inclusividade, embora aquém do ideal democrático grego. Portanto, podemos concluir, com base na argumentação de Dahl, que a democracia atual é uma ilusão utilizada para alimentar o desejo de participação das pessoas. Vivemos em uma poliarquia inspirada claramente na democracia. Na realidade o governo não é direto, logo não é do povo.
Dentro do debate crítico gostaria de trazer mais uma vez à tona os ensinamentos da Escola de Frankfurt, onde vários intelectuais fizeram uma abordagem interdisciplinar para explicar o capitalismo e suas consequências. Entre as principais influências é possível apontar: (a) conceito e luta de classes marxista; (b) relação entre população e meios de comunicação de massa abordado pela psicanálise freudiana; (c) burocratização de Weber. Com base nos pensamentos dos intelectuais alemães pode-se perceber que há uma clara intervenção capitalista, sobretudo estadunidense, na defesa pela democracia representativa para impor os seus interesses no cenário político internacional, inclusive com patrocínio de ditaduras sangrentas (como as ocorridas na América Latina) para defender a sua influência. A democracia representativa divulgada é a máscara que concede credibilidade e legitimidade para a manutenção das elites dominantes no poder.
Como resultado temos dois extremos: os conflitos sociais e a apatia política, conforme encontramos em Honneth. Tal afirmação é fácil de ser observada: (a) os conflitos se dão durante as manifestações constantes desde 2013 no Brasil e também na polarização da discussão política, mesmo que em ambiente virtual; (b) já a apatia política é fria assim como os números e para prová-la basta observar a crescente nos números de votos nulo, branco ou mesmo de abstenção eleitoral. Vale lembrar que tais fenômenos não são de exclusividade brasileira.
Como saída a alternativa é o clichê do ensino. Trata-se de uma tecla batida, mas verdadeira: sem educação não é possível evoluir. Enquanto ficarmos só no discurso as escolas continuarão falidas e o país continuará fadado ao fracasso, prorrogando eternamente o desenvolvimento; afinal, o Brasil é o país do futuro há décadas, mas esse dia nunca chega. Houve quem afirmou que seria em 2014 ou 2016, mas basta ver a situação da cidade sede (Rio de Janeiro).
Como soluções convencionais ao sistema posso citar a redução partidária para sete partidos que estariam dispostos na linha do espectro ideológico, indo da extrema-direita à extrema-esquerda. O povo precisa ser ouvido, é necessário tornar os plebiscitos e referendos ferramentas frequentes na construção da real democracia. Cito novamente a participação direta por meio da democracia anárquico-social (podendo até ser digital), sem representantes, onde o povo faria e votaria as próprias leis, restringindo o executivo em instituições que colocarão os métodos e normas em prática, cabendo ao judiciário ser o sistema de freio para garantir os direitos fundamentais e leis convencionadas. Para acesso a tais cargos das diferentes instituições, o sistema utilizado poderia ser o de concurso público, gerando mais empregos com os recursos que antes seriam destinados exclusivamente aos políticos profissionais representativos. Desse modo, os estados seriam abolidos, as cidades seriam autônomas e a federação acumularia órgãos responsáveis pela regularização e fiscalização dos municípios.