domingo, 23 de julho de 2017

Reflexão sobre democracia e poliarquia

Chega a ser repetitivo ouvir e ler tanto sobre democracia. O problema não é abordar o assunto em si, mas sim a falta de informação e superficialidade cujo tema é tratado. Falar em democracia parece tão simples e clichê que muito se fala sem ao menos saber o seu significado. Pois bem, aqui estamos para refletir sobre a sua origem, desenvolvimento, atualidade e futuro.

O termo tem origem no século V a.C na Grécia Antiga, onde demos significa povo e kratos significa poder. Portanto, aqui temos o nascimento do conceito de governo do povo. Entretanto, a democracia idealizada pelos gregos e praticada na polis (cidade-Estado) de Atenas foi bem diferente do que se conhece por democracia hoje em dia. A participação era direta e baseava-se em três princípios fundamentais: (a) isegoria (igualdade de fala em assembleia); (b) isocracia (igualdade entre cidadãos para acesso ao poder); (c) isonomia (igualdade dos cidadãos diante da lei). Ou seja, o cidadão ateniense participativa ativamente da política, sem qualquer intermediação. Há de se ressaltar que naquele contexto cidadãos eram homens livres, gregos e filhos de pais gregos. Desse modo, excluía-se dos assuntos políticos os estrangeiros, mulheres e escravos (reduzindo consideravelmente o percentual de cidadãos). Outra curiosidade é o fato dos cargos públicos serem preenchidos por sorteio (bem diferente da atualidade).

O modelo atual de democracia representativa ganhou impulso com o fim do absolutismo europeu seguindo os modelos da Inglaterra e França do século XVIII. A participação do cidadão é realizada por meio do voto, escolhendo assim os seus representantes em eleições periódicas (trauma do absolutismo monárquico medieval). Como motivos para essa mudança pode-se citar: (a) aumento exponencial no número populacional; (b) extensão territorial, onde as polis (cidades) transformaram-se em Estado-nação (países); (c) tempo para participação do cidadão, tendo em vista que na Grécia o sistema era escravocrata e os cidadãos possuíam disponibilidade para tratar dos assuntos da polis; (d) sufrágio universal. 

A grande pergunta que fica é como chamar de democracia dois modelos distintos. O austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950) afirmava que a representação é apenas a oportunidade do povo escolher a elite que o governará e o que vemos hoje são sintomas assertivos dessa afirmação pessimista. Visando sanar a contradição na aplicação do termo para conceitos diferentes, Robert Dahl introduziu o conceito de poliarquia, que seriam sistemas políticos de grade escala, de elevada liberalização e inclusividade, embora aquém do ideal democrático grego. Portanto, podemos concluir, com base na argumentação de Dahl, que a democracia atual é uma ilusão utilizada para alimentar o desejo de participação das pessoas. Vivemos em uma poliarquia inspirada claramente na democracia. Na realidade o governo não é direto, logo não é do povo.

Dentro do debate crítico gostaria de trazer mais uma vez à tona os ensinamentos da Escola de Frankfurt, onde vários intelectuais fizeram uma abordagem interdisciplinar para explicar o capitalismo e suas consequências. Entre as principais influências é possível apontar: (a) conceito e luta de classes marxista; (b) relação entre população e meios de comunicação de massa abordado pela psicanálise freudiana; (c) burocratização de Weber. Com base nos pensamentos dos intelectuais alemães pode-se perceber que há uma clara intervenção capitalista, sobretudo estadunidense, na defesa pela democracia representativa para impor os seus interesses no cenário político internacional, inclusive com patrocínio de ditaduras sangrentas (como as ocorridas na América Latina) para defender a sua influência. A democracia representativa divulgada é a máscara que concede credibilidade e legitimidade para a manutenção das elites dominantes no poder.

Como resultado temos dois extremos: os conflitos sociais e a apatia política, conforme encontramos em Honneth. Tal afirmação é fácil de ser observada: (a) os conflitos se dão durante as manifestações constantes desde 2013 no Brasil e também na polarização da discussão política, mesmo que em ambiente virtual; (b) já a apatia política é fria assim como os números e para prová-la basta observar a crescente nos números de votos nulo, branco ou mesmo de abstenção eleitoral. Vale lembrar que tais fenômenos não são de exclusividade brasileira.

Como saída a alternativa é o clichê do ensino. Trata-se de uma tecla batida, mas verdadeira: sem educação não é possível evoluir. Enquanto ficarmos só no discurso as escolas continuarão falidas e o país continuará fadado ao fracasso, prorrogando eternamente o desenvolvimento; afinal, o Brasil é o país do futuro há décadas, mas esse dia nunca chega. Houve quem afirmou que seria em 2014 ou 2016, mas basta ver a situação da cidade sede (Rio de Janeiro). 

Como soluções convencionais ao sistema posso citar a redução partidária para sete partidos que estariam dispostos na linha do espectro ideológico, indo da extrema-direita à extrema-esquerda. O povo precisa ser ouvido, é necessário tornar os plebiscitos e referendos ferramentas frequentes na construção da real democracia. Cito novamente a participação direta por meio da democracia anárquico-social (podendo até ser digital), sem representantes, onde o povo faria e votaria as próprias leis, restringindo o executivo em instituições que colocarão os métodos e normas em prática, cabendo ao judiciário ser o sistema de freio para garantir os direitos fundamentais e leis convencionadas. Para acesso a tais cargos das diferentes instituições, o sistema utilizado poderia ser o de concurso público, gerando mais empregos com os recursos que antes seriam destinados exclusivamente aos políticos profissionais representativos. Desse modo, os estados seriam abolidos, as cidades seriam autônomas e a federação acumularia órgãos responsáveis pela regularização e fiscalização dos municípios. 

terça-feira, 11 de julho de 2017

Reflexão sobre a rotina do cidadão médio

Carteira profissional embaixo do braço
Riscando o jornal, preocupando-se com os fatos
Horas em frente à tela
Dor de cabeça o dia inteiro
Cheiro de flores e velas
Mentiras em tudo que creio

Vai trabalhar! Vai estudar!
Assim não sobra tempo nem espaço
Vai reclamar! Vai protestar!
Assim apago todos os traços

Conecte os fios nos neurônios
Deixe sonhos e planos de lado
Assuma seus atos
Seja escravo! Seja escravo!
Você precisa de certificado e submissão
Abaixar a cabeça e nunca dizer não
Você precisa de pós-graduação para ser alguém na vida
Privilegiada prisão

Vai trabalhar! Vai estudar!
Assim não sobra tempo nem espaço
Vai reclamar! Vai protestar!
Assim apago todos os traços

Vai trabalhar! Vai estudar!
Assim não sobra tempo nem espaço
Vai reclamar! Vai protestar!
Assim apago todos os traços.

sábado, 1 de julho de 2017

Reflexão sobre os signos capitalistas

Você já se perguntou o motivo pelo qual mesmo diante de uma enorme crise econômica o preço dos automóveis não reduz? Não acha um absurdo carros produzidos no Brasil custarem mais caro aqui do que nos países que os importam? A desculpa preferida utilizada pelos empresários é a alta tributação e nesse ponto todos concordamos. Entretanto, neste caso específico a margem de lucro é exorbitante, sendo que os fabricantes preferem abrir mão de trabalhadores do que propriamente de suas margens. A resposta pura e simples para esta situação é que o povo brasileiro, apaixonado por automóveis, continua pagando por esses carros, independentemente do quão absurdo tal valor seja. A lei da procura e oferta aplica-se perfeitamente neste caso para explicar o reinado das grandes empresas automobilísticas no país. 

Em um momento de queda de consumo e de inflação, onde o valor de várias mercadorias dão um passo para trás, o mesmo não acontece com os automóveis: soberanos e intactos com os seus preços elevados. Afinal, um carro popular custar acima de trinta mil reais parece-me fora de contexto em um país cujo salário mínimo não ultrapassa os quatro dígitos. Sendo assim, concluo que o carro é o signo que melhor representa o capitalismo contemporâneo, onde um bem material durável não primordial para a manutenção da vida ganha uma estima social e pessoal devido ao seu teor de conforto e status. Para compreender esta simbolização utilize o conceito da antropologia política: signo como portador de um significado; significado como a representação atribuída ao objeto e que traz a ideia de valor; e significante aquele que atribui a representação ao objeto. Desse modo, temos o carro como signo representando a ideia de consumo não essencial trazida pelo capitalismo no qual a sociedade atribui uma valorização ao objeto em questão.

Outro signo do sistema vigente é a devoção excessiva ao trabalho, onde qualidade de vida passa a ser sinônimo da posse quantitativa de bens materiais. Uma ascensão ocidental com base na fé da importância do trabalho. O capitalismo, desde o seu nascimento, concorre com a religião pela supremacia e controle cultural sobre a vida das pessoas. Não à toa encontrarmos nos dias atuais igrejas que possuem alta lucratividade, tornando-se até um nicho de mercado. Tal aliança atual é consequência de uma disputa que vem desde o período medieval. Conforme o livro A Ética Protestante e o Espirito Capitalista de Max Weber, na religião tem-se a fé e a família como instituição. No capitalismo tem-se a burocracia racional do Estado e o trabalho como estilo de vida e meio de sobrevivência. O aburguesamento da classe operária criou um meio de campo entre os extremos, favorecendo as reformas empresariais nas últimas décadas, desunindo os trabalhadores e criando assim uma crise de identidade com vários rótulos de classe (A, B, C, D...classe média alta, classe alta, classe média baixa, etc). Nesse cenário o trabalho possui uma característica quase que divina no qual as corporações se aproveitam de tal situação.

Vale lembrar que para os gregos antigos o ócio era visto como um bem no qual o cidadão teria tempo para se dedicar diretamente nas questões de interesse da sociedade e pessoais, contribuindo assim para a evolução do pensamento, do corpo e, consequentemente, da humanidade. Um leitor mais atento pode argumentar que naquela época o sufrágio era restrito e que a sociedade grega sustentava-se sobre um regime escravocrata. Obviamente que tais características não são de orgulho e nem acrescentam positividade na argumentação. O que está em discussão é a inversão de valores sobre um mesmo tema com o passar do tempo em busca do meio termo (ócio x trabalho) e não uma defesa ao regime escravocrata. Mas pare e reflita: e hoje? O regime de trabalho é livre, de iguais condições totais, independente das circunstâncias? Há liberdade verdadeira em uma negociação entre as duas partes? Em alguns casos atuais não se configura uma escravidão trabalhista moderna disfarçada? A diferença é que nos dias atuais os escravos não são de responsabilidade dos senhores. 

Se há disputa por poder é porque existem desigualdades. Segundo Weber, o capitalismo é como uma ação econômica que se apoia na expectativa do lucro por meio da utilização de oportunidades de troca. Utilizando-se de um conceito marxista sobre a mais-valia me diga: quem realmente leva vantagem nessa relação de troca abordada pelo autor? Obviamente que é muito mais fácil falar e escolher o sistema atual, pois ele está presente no cotidiano das pessoas. Portanto, requer um esforço intelectual menor; afinal, as coisas são como elas são. Por outro lado, refletir sobre um sistema hipotético, com base no atual, mas com ferramentas contínuas de melhorias exige um maior esforço mental e demanda tempo, tempo este que o cidadão médio atual não possui. Dessa forma, resta o preconceito e a crítica (muitas vezes infundadas) para quem possui uma visão de mundo (ou projeção de mundo se preferir) diferente. 

A dinâmica competitiva do mercado de trabalho é sinônimo de ganhar a qualquer preço, a tal ideia de ser melhor e superior ao outro, de possuir mais bens materiais, independente da forma em que se obtenha tal "vitória". Vale passar por cima do outro, vale vender produto ilegal, vale ceifar vidas, vale furar fila, vale brigar entre torcidas, vale burlar as leis de trânsito, vale roubar. Vale tudo em uma sociedade cujos três poderes esquecem de suas delimitações e funções, perdendo valores éticos em um jogo político de conflitos e alianças, em prol de interesses obscuros, esquecendo-se da governabilidade. Neste caso, Nicolau Maquiavel estava correto ao dizer que, na realidade, os fins justificam os meios. 

O capitalismo se apoia na relação trabalhista de uma sociedade de massa regida pela representação pública e fortemente influenciada por meios de comunicação. Dependente da complexa burocracia estatal e das tecnologias. No fundo somos apenas números em um amplo sistema interligado, definidos por cálculos de produtividade e lucratividade.