Você já se perguntou o motivo pelo qual mesmo diante de uma enorme crise econômica o preço dos automóveis não reduz? Não acha um absurdo carros produzidos no Brasil custarem mais caro aqui do que nos países que os importam? A desculpa preferida utilizada pelos empresários é a alta tributação e nesse ponto todos concordamos. Entretanto, neste caso específico a margem de lucro é exorbitante, sendo que os fabricantes preferem abrir mão de trabalhadores do que propriamente de suas margens. A resposta pura e simples para esta situação é que o povo brasileiro, apaixonado por automóveis, continua pagando por esses carros, independentemente do quão absurdo tal valor seja. A lei da procura e oferta aplica-se perfeitamente neste caso para explicar o reinado das grandes empresas automobilísticas no país.
Em um momento de queda de consumo e de inflação, onde o valor de várias mercadorias dão um passo para trás, o mesmo não acontece com os automóveis: soberanos e intactos com os seus preços elevados. Afinal, um carro popular custar acima de trinta mil reais parece-me fora de contexto em um país cujo salário mínimo não ultrapassa os quatro dígitos. Sendo assim, concluo que o carro é o signo que melhor representa o capitalismo contemporâneo, onde um bem material durável não primordial para a manutenção da vida ganha uma estima social e pessoal devido ao seu teor de conforto e status. Para compreender esta simbolização utilize o conceito da antropologia política: signo como portador de um significado; significado como a representação atribuída ao objeto e que traz a ideia de valor; e significante aquele que atribui a representação ao objeto. Desse modo, temos o carro como signo representando a ideia de consumo não essencial trazida pelo capitalismo no qual a sociedade atribui uma valorização ao objeto em questão.
Outro signo do sistema vigente é a devoção excessiva ao trabalho, onde qualidade de vida passa a ser sinônimo da posse quantitativa de bens materiais. Uma ascensão ocidental com base na fé da importância do trabalho. O capitalismo, desde o seu nascimento, concorre com a religião pela supremacia e controle cultural sobre a vida das pessoas. Não à toa encontrarmos nos dias atuais igrejas que possuem alta lucratividade, tornando-se até um nicho de mercado. Tal aliança atual é consequência de uma disputa que vem desde o período medieval. Conforme o livro A Ética Protestante e o Espirito Capitalista de Max Weber, na religião tem-se a fé e a família como instituição. No capitalismo tem-se a burocracia racional do Estado e o trabalho como estilo de vida e meio de sobrevivência. O aburguesamento da classe operária criou um meio de campo entre os extremos, favorecendo as reformas empresariais nas últimas décadas, desunindo os trabalhadores e criando assim uma crise de identidade com vários rótulos de classe (A, B, C, D...classe média alta, classe alta, classe média baixa, etc). Nesse cenário o trabalho possui uma característica quase que divina no qual as corporações se aproveitam de tal situação.
Vale lembrar que para os gregos antigos o ócio era visto como um bem no qual o cidadão teria tempo para se dedicar diretamente nas questões de interesse da sociedade e pessoais, contribuindo assim para a evolução do pensamento, do corpo e, consequentemente, da humanidade. Um leitor mais atento pode argumentar que naquela época o sufrágio era restrito e que a sociedade grega sustentava-se sobre um regime escravocrata. Obviamente que tais características não são de orgulho e nem acrescentam positividade na argumentação. O que está em discussão é a inversão de valores sobre um mesmo tema com o passar do tempo em busca do meio termo (ócio x trabalho) e não uma defesa ao regime escravocrata. Mas pare e reflita: e hoje? O regime de trabalho é livre, de iguais condições totais, independente das circunstâncias? Há liberdade verdadeira em uma negociação entre as duas partes? Em alguns casos atuais não se configura uma escravidão trabalhista moderna disfarçada? A diferença é que nos dias atuais os escravos não são de responsabilidade dos senhores.
Se há disputa por poder é porque existem desigualdades. Segundo Weber, o capitalismo é como uma ação econômica que se apoia na expectativa do lucro por meio da utilização de oportunidades de troca. Utilizando-se de um conceito marxista sobre a mais-valia me diga: quem realmente leva vantagem nessa relação de troca abordada pelo autor? Obviamente que é muito mais fácil falar e escolher o sistema atual, pois ele está presente no cotidiano das pessoas. Portanto, requer um esforço intelectual menor; afinal, as coisas são como elas são. Por outro lado, refletir sobre um sistema hipotético, com base no atual, mas com ferramentas contínuas de melhorias exige um maior esforço mental e demanda tempo, tempo este que o cidadão médio atual não possui. Dessa forma, resta o preconceito e a crítica (muitas vezes infundadas) para quem possui uma visão de mundo (ou projeção de mundo se preferir) diferente.
A dinâmica competitiva do mercado de trabalho é sinônimo de ganhar a qualquer preço, a tal ideia de ser melhor e superior ao outro, de possuir mais bens materiais, independente da forma em que se obtenha tal "vitória". Vale passar por cima do outro, vale vender produto ilegal, vale ceifar vidas, vale furar fila, vale brigar entre torcidas, vale burlar as leis de trânsito, vale roubar. Vale tudo em uma sociedade cujos três poderes esquecem de suas delimitações e funções, perdendo valores éticos em um jogo político de conflitos e alianças, em prol de interesses obscuros, esquecendo-se da governabilidade. Neste caso, Nicolau Maquiavel estava correto ao dizer que, na realidade, os fins justificam os meios.
O capitalismo se apoia na relação trabalhista de uma sociedade de massa regida pela representação pública e fortemente influenciada por meios de comunicação. Dependente da complexa burocracia estatal e das tecnologias. No fundo somos apenas números em um amplo sistema interligado, definidos por cálculos de produtividade e lucratividade.
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