sábado, 17 de fevereiro de 2018

Reflexão sobre a intervenção federal na segurança do Rio

De repente intervenção federal na segurança do Rio. Assim mesmo caro leitor, decidiram unilateralmente em uma semana como da noite para o dia. Que o Rio de Janeiro vive uma crise não é novidade, pois assim é há tempos. O estranhamento no caso é a atitude extrema e repentina, sendo que até as Forças Armadas foram pegas de surpresa, inclusive o general do Exército Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste. Literalmente um atestado de incompetência assinado pela prefeitura carioca, governo fluminense e federal.

Primeiro é necessário verificar a legalidade do caso. Nesse ponto a Constituição Federal é muito clara nos Artigos 34 e 36 do Capítulo VI, sobretudo no Inciso III do Artigo 34: "pôr termo a grave comprometimento da ordem pública". A intervenção foi definida conjuntamente entre o governador do estado e o presidente da república; portanto, é um ato legal. Em seguida precisa-se verificar a legitimidade do ato. Neste ponto nem especialistas nem a sociedade foram consultados. Não houve deliberação para traçar um plano de ação factível com metas claras e objetivas. Foi uma decisão tomada pela cúpula federal e comunicada aos demais. Portanto partiu de cima para baixo em um curto espaço de tempo e sem envolver os atores centrais do processo.

Fonte: https://www.notibras.com/site/justica-eleitoral-de-olho-nas-irregularidades-de-cabral-e-pezao/

O caos no Rio de Janeiro, não somente no âmbito da segurança, mas como um todo (saúde, ensino, finanças) não é novidade. Então por que não tomaram tal decisão anteriormente? Por que da pressa agora? Há dúvidas sobre a legitimidade do ato. Que o Rio precisa de ações emergenciais para sanar os problemas é inquestionável. A questão é como está sendo montado tal ato. Os militares já entraram em ação na cidade diversas vezes desde 1992 (Olimpíadas, Copa do Mundo, etc) e não foi observado nenhuma melhora (basta ver como o município ainda está). 

Não são apresentados objetivos, métodos, resultados ou mesmo conclusões. Simplesmente jogam as Forças Armadas nos morros e nas ruas para transmitir uma sensação ilusória de segurança. Mas nada de concreto foi feito a curto, médio ou longo prazo. É possível traçar um paralelo-comparativo com a gestão industrial: precisa-se de planejamento para sanar desvios do padrão desejado e isso é feito com um plano de ação definindo atividades ponto-a-ponto para a correção do problema e, posteriormente, prevenção para que o mesmo não se repita. Se a situação só piora ao longo dos anos é sinal de que falta gestão pública de fato.

Por trás do teatro armado pelo excelentíssimo Vampiro Temer há também a questão da imagem: o mesmo não atingiu o grande objetivo de seu governo provisório usurpador de passar a reforma da previdência. Mais: a reforma do teto de gastos impactou diretamente o Rio de Janeiro de forma negativa. Ora, se não há recursos para saúde, ensino e segurança, como estruturar e manter a ordem? Um verdadeiro tiro no pé feito pelo governo federal que agora terá que gastar em dobro para corrigir o erro cometido. Detalhe: o problema de segurança não é pontual, pois está espalhado por todas as partes do Brasil. Um verdadeiro câncer social.

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Fonte: http://conteudoms.com/site/ver-conteudo/michel-temer-sera-vampiro-no-carnaval-do-rio-de-janeiro

Vampiro Temer tenta salvar o seu governo catastrófico tentando limpar a sua imagem. O mesmo quer sair nos livros de história como um presidente reformista, que gerou empregos, contornou a crise político-econômica e que restabeleceu a ordem nacional. Sabemos que ele está muito longe disso, não obtendo êxito em suas propostas. Quem paga as consequências desses atos de corrupção e má gestão é o povo brasileiro. Temer e companhia do MDB (ou PMDB se preferir) são citados em diversos processos de desvio de verba pública. Basta ver o que o partido fez no Rio de Janeiro ao longo dos anos e o que está fazendo com o país. Por outro lado, não podemos esquecer que os mesmos foram eleitos. Logo, a sociedade (nós eleitores) tem sua parcela de culpa sim.

Exército, Marinha e Aeronáutica são treinados para matar. Sinceramente torço pelo sucesso das Forças Armadas e pela solução da violência, mas não creio que seja o caso de trocar seis por meia dúzia como está sendo feito. É bem verdade que há diversas denúncias de corrupção na polícia carioca e nesse aspecto é possível que haja uma melhora. É necessário investimento e planejamento, não simplesmente agir. Dinheiro público para comprar o voto dos congressistas para não sofrer impeachment o governo federal tinha. Dinheiro público para viajar para a Europa o governo estadual tinha. Pena que tenha sobrado muito pouco para o que realmente importa. Quem paga caro leitor...quem paga?

Em 2017 foram 134 policiais militares assassinados no Rio de Janeiro. Só neste ano já foram 4 crianças mortas nas comunidades cariocas devido a "balas perdidas". Isso sem contar a ascensão do crime organizado por todo o território nacional, como, por exemplo, Ceará, Amazonas, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, São Paulo. Se formos partir do mesmo raciocínio então haveria uma intervenção militar total no Brasil. Repito o que sempre afirmo neste blog: a falha é estrutural e sistêmica! Enquanto o poder continuar sendo cargo para ganho pessoal sem punição e a sociedade aceitar passivamente tal situação nada mudará. Na coleira da elite e de joelhos: essa é a situação do povo brasileiro. Reféns dos traidores. Eles não merecem o título de políticos, mas de ladrões. 

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Reflexão sobre a Constituição de 1988

Neste ano, a Constituição Federal brasileira completa trinta anos de existência. Mesmo após a sua promulgação muito se fala sobre direitos constitucionais e respectivas violações do texto constitucional. Basta ver os casos de impedimento, inelegibilidade e foro privilegiado que afetam o país. Tal debate deve-se à importância que uma constituição ocupa dentro de um Estado. No processo de tentativa de amadurecimento da democracia nacional múltiplas interpretações levam a uma desordem que desvirtua a jurisprudência e até mesmo o entendimento do cidadão mediano, tornando tal matéria algo mais abstrato do que deveria ser.

De acordo com a pirâmide formulada por Hans Kelsen, a constituição está no topo, sendo assim a norma que dará as diretrizes para as demais leis (complementares, ordinárias, delegadas, medidas provisórias e resoluções). Portanto, para o ordenamento social, são necessárias leis e dentro do ordenamento jurídico a constituição é a lei suprema que rege a vida em sociedade dentro de um determinado Estado. Alguns teóricos dizem que a mesma deveria ser o espelho da sociedade, mas na realidade nota-se claramente abismos e contrastes com a práxis. 

Fonte: http://nacaodemocratica.blogspot.com.br/

Sobre um mesmo tema é possível lançar visões diferentes. Sob a ótica sociológica, uma constituição deveria resultar da manifestação dos interesses sociais que convergem em determinado momento. Seria portanto o fim da vontade da sociedade. Sob o viés político, a mesma deve resultar do jogo de forças e poderes que geram deliberação cujo embate resulta em representantes eleitos pela sociedade para redigir o texto que melhor atende ao povo. Neste caso, há um forte peso retórico que tende à profissionalização dos debates, da representação e da interface entre sociedade e Estado. Por fim, sob o olhar jurídico, o cerne encontra-se na interpretação de tal texto e na sua posterior aplicação. É possível concluir que há falhas e acertos (teóricos e práticos) nas três visões citadas acima.

Como exemplo é possível citar a Constituição de 1988. Tentou-se abordar sobre diversos temas, tornando-a extensa, complexa e de difícil aplicação. Conhecida como Constituição Cidadã, traz consigo temas como direito à moradia, ensino, segurança, transporte, saúde, emprego, entre tantos outros, que são garantidos constitucionalmente, mas que muitas vezes são ausentes ou prestados de forma muito abaixo da qualidade. Mesmo entre os magistrados há divergências, basta ver as votações divididas no Supremo Tribunal Federal. Isso não quer dizer que a Constituição de 1988 seja ruim; porém, sua abordagem ampla gera brechas e interpretações opostas, não condizendo com a real estrutura do Estado brasileiro. Não seria exagero afirmar que parte do texto trata-se de uma utopia dentro do cenário nacional atual.

Fonte: https://www.goconqr.com/p/5983785-controle-de-constitucionalidade-slide_sets

A problemática começa na estruturação de um país extenso "por natureza", altamente populoso, com pluralidade cultural, alto índice de criminalidade, clima diversificado (predominantemente tropical), com tradições oligárquicas históricas, onde as escolas não ensinam noções básicas de política e direito, e cujo voto é obrigatório. Não basta fazer "ctrl c + ctrl v" de algum modelo constitucional (geralmente europeu), é preciso também olhar para dentro de si (costumes e tradições). 

Ater-se demais ao texto vislumbrando um futuro superior ou ganhos pessoais sem observar a realidade é um erro grave de quem elabora tais normas e que em termos práticos não terá adesão. Não é à toa que no Brasil existem leis que "não pegam". Ora, se tal lei foi elaborada e posta em prática, logo deve ser seguida. A sua corrupção encontra-se em quem a elaborou de modo leviano, em quem a interpretou/julgou de modo parcial e de quem a omitiu (simplesmente não a executou). 
Fernando Santana: “Não haverá processo e julgamento justos enquanto duas questões fundamentais não forem superadas. Em primeiro lugar, não se pode entender como condenação automática o parecer proferido pelo Tribunal de Contas da União, um órgão adjuvante. Em segundo lugar, deve-se definir o reflexo de práticas ocorridas no mandato anterior ao atual, as chamadas “pedaladas fiscais”, para saber se elas indicam grave comportamento comissivo ou omissivo, de tipo doloso, revelador de improbidade e locupletamento".
Fonte: http://www.jornalgrandebahia.com.br/2015/12/impeachment-e-mais-que-um-juizo-de-conveniencia-por-fernando-santana/constituicao-federal-de-1988/

É preciso compreender o contexto histórico do qual se originou a Constituição de 1988 (e que muito influenciou em sua promulgação): fim do regime militar, instabilidade econômica, preocupação ecológica, alto endividamento nacional, abertura política, declínio da Guerra Fria, expansão do capitalismo e globalização. O intuito não é apagar tudo, mas reformular o texto de modo que esteja adequado para os dias de hoje. Afinal, em tempos de crise é necessário ter prioridades.

Atualmente, o que se nota são constantes descumprimentos do que fora estipulado, literalmente rasgando a Constituição frequentemente. A própria limitação e autonomia dos poderes está em desiquilíbrio. É preciso enxugar o texto constitucional, mantendo assuntos fundamentais e que dizem respeito à manutenção do Estado. Ao mesmo tempo, questões como atribuições de responsabilidades, foro privilegiado e a divisão federativa devem ser repensados. Os recursos são escassos e as demandas infinitas, então não é possível avançar em todas as questões ao mesmo tempo de modo eficaz.