sábado, 10 de fevereiro de 2018

Reflexão sobre a Constituição de 1988

Neste ano, a Constituição Federal brasileira completa trinta anos de existência. Mesmo após a sua promulgação muito se fala sobre direitos constitucionais e respectivas violações do texto constitucional. Basta ver os casos de impedimento, inelegibilidade e foro privilegiado que afetam o país. Tal debate deve-se à importância que uma constituição ocupa dentro de um Estado. No processo de tentativa de amadurecimento da democracia nacional múltiplas interpretações levam a uma desordem que desvirtua a jurisprudência e até mesmo o entendimento do cidadão mediano, tornando tal matéria algo mais abstrato do que deveria ser.

De acordo com a pirâmide formulada por Hans Kelsen, a constituição está no topo, sendo assim a norma que dará as diretrizes para as demais leis (complementares, ordinárias, delegadas, medidas provisórias e resoluções). Portanto, para o ordenamento social, são necessárias leis e dentro do ordenamento jurídico a constituição é a lei suprema que rege a vida em sociedade dentro de um determinado Estado. Alguns teóricos dizem que a mesma deveria ser o espelho da sociedade, mas na realidade nota-se claramente abismos e contrastes com a práxis. 

Fonte: http://nacaodemocratica.blogspot.com.br/

Sobre um mesmo tema é possível lançar visões diferentes. Sob a ótica sociológica, uma constituição deveria resultar da manifestação dos interesses sociais que convergem em determinado momento. Seria portanto o fim da vontade da sociedade. Sob o viés político, a mesma deve resultar do jogo de forças e poderes que geram deliberação cujo embate resulta em representantes eleitos pela sociedade para redigir o texto que melhor atende ao povo. Neste caso, há um forte peso retórico que tende à profissionalização dos debates, da representação e da interface entre sociedade e Estado. Por fim, sob o olhar jurídico, o cerne encontra-se na interpretação de tal texto e na sua posterior aplicação. É possível concluir que há falhas e acertos (teóricos e práticos) nas três visões citadas acima.

Como exemplo é possível citar a Constituição de 1988. Tentou-se abordar sobre diversos temas, tornando-a extensa, complexa e de difícil aplicação. Conhecida como Constituição Cidadã, traz consigo temas como direito à moradia, ensino, segurança, transporte, saúde, emprego, entre tantos outros, que são garantidos constitucionalmente, mas que muitas vezes são ausentes ou prestados de forma muito abaixo da qualidade. Mesmo entre os magistrados há divergências, basta ver as votações divididas no Supremo Tribunal Federal. Isso não quer dizer que a Constituição de 1988 seja ruim; porém, sua abordagem ampla gera brechas e interpretações opostas, não condizendo com a real estrutura do Estado brasileiro. Não seria exagero afirmar que parte do texto trata-se de uma utopia dentro do cenário nacional atual.

Fonte: https://www.goconqr.com/p/5983785-controle-de-constitucionalidade-slide_sets

A problemática começa na estruturação de um país extenso "por natureza", altamente populoso, com pluralidade cultural, alto índice de criminalidade, clima diversificado (predominantemente tropical), com tradições oligárquicas históricas, onde as escolas não ensinam noções básicas de política e direito, e cujo voto é obrigatório. Não basta fazer "ctrl c + ctrl v" de algum modelo constitucional (geralmente europeu), é preciso também olhar para dentro de si (costumes e tradições). 

Ater-se demais ao texto vislumbrando um futuro superior ou ganhos pessoais sem observar a realidade é um erro grave de quem elabora tais normas e que em termos práticos não terá adesão. Não é à toa que no Brasil existem leis que "não pegam". Ora, se tal lei foi elaborada e posta em prática, logo deve ser seguida. A sua corrupção encontra-se em quem a elaborou de modo leviano, em quem a interpretou/julgou de modo parcial e de quem a omitiu (simplesmente não a executou). 
Fernando Santana: “Não haverá processo e julgamento justos enquanto duas questões fundamentais não forem superadas. Em primeiro lugar, não se pode entender como condenação automática o parecer proferido pelo Tribunal de Contas da União, um órgão adjuvante. Em segundo lugar, deve-se definir o reflexo de práticas ocorridas no mandato anterior ao atual, as chamadas “pedaladas fiscais”, para saber se elas indicam grave comportamento comissivo ou omissivo, de tipo doloso, revelador de improbidade e locupletamento".
Fonte: http://www.jornalgrandebahia.com.br/2015/12/impeachment-e-mais-que-um-juizo-de-conveniencia-por-fernando-santana/constituicao-federal-de-1988/

É preciso compreender o contexto histórico do qual se originou a Constituição de 1988 (e que muito influenciou em sua promulgação): fim do regime militar, instabilidade econômica, preocupação ecológica, alto endividamento nacional, abertura política, declínio da Guerra Fria, expansão do capitalismo e globalização. O intuito não é apagar tudo, mas reformular o texto de modo que esteja adequado para os dias de hoje. Afinal, em tempos de crise é necessário ter prioridades.

Atualmente, o que se nota são constantes descumprimentos do que fora estipulado, literalmente rasgando a Constituição frequentemente. A própria limitação e autonomia dos poderes está em desiquilíbrio. É preciso enxugar o texto constitucional, mantendo assuntos fundamentais e que dizem respeito à manutenção do Estado. Ao mesmo tempo, questões como atribuições de responsabilidades, foro privilegiado e a divisão federativa devem ser repensados. Os recursos são escassos e as demandas infinitas, então não é possível avançar em todas as questões ao mesmo tempo de modo eficaz. 

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