O conceito de direitos humanos aparenta sofrer uma deterioração com o tempo em diferentes lugares do planeta. No âmbito global a própria ONU (Organização das Nações Unidas) perdeu sua relevância internacional como mediadora de conflitos e crises em defesa da proteção dos indivíduos. O que era dado como consenso mundial durante a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 após a Segunda Guerra Mundial (cujo saldo foi mais de 60 milhões de mortos e tantas outras violações à condição humana tais como fome, tortura, trabalho forçado, estupros, agressões físicas e psicológicas, etc.) parece ter se perdido. Será meramente uma questão psicológica de memória curta? A questão aqui é tentar entender o motivo de tal descrédito.
Uma das possíveis causas que compõem a conjuntura da perda de parte da legitimidade dos direitos humanos é justamente o seu alto teor teórico. Tendo como ponto de partida a inspiração oriunda tanto da Declaração de Direitos de Virgínia (1776) associada à independência estadunidense, quanto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) associada à revolução francesa, o que se nota é uma contradição histórica típica do capital. Em ambos os casos, as declarações ficaram mais na esfera do direito do que no âmbito da prática, não sendo válidas de um modo abrangente. Ou seja, não se aplicavam para grande parte da população.
Nos EUA, os direitos ficaram restritos a uma parcela dos cidadãos. Assim como ocorreu no nascimento dos conceitos de cidadão e de democracia na pólis grega, boa parte da população ficou às margens dos direitos proclamados. A questão da participação e do papel das mulheres e das crianças na sociedade só seria tratada com seriedade e equidade ao longo do século XX. A escravidão continuou forte como parte fundamental da economia dos estados sulistas, fato que se estendeu até a guerra civil estadunidense e ainda hoje deixa marcas.
Na França o que se notou após a libertação popular do absolutismo monárquico foi um período de encontros e desencontros, causando instabilidade e em alguns momentos até mesmo uma desordem entre os franceses nos períodos após a queda da Bastilha, o que só foi contornado com a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder. As ideias eram boas e inspiradoras com o lema de igualdade, liberdade e fraternidade, mas, de fato, não houve coesão social capaz de manter o equilíbrio diante da anomia.
Entretanto, uma tentativa de explicação pautada apenas na temporalidade e na espacialidade não é suficiente para entender o motivo da banalização dos direitos humanos atualmente. No Brasil, especificamente, existe uma tradição antiga, o chamado jeitinho brasileiro, que tem por costume rotular as leis em dois grandes grupos: (a) as leis que pegam: em que há fiscalização e conscientização do cidadão no cumprimento das mesmas; (b) as leis que não pegam: mera formalização textual que, por vezes, é negligenciada pelo poder público, privado e pelo indivíduo. Portanto, nem sempre o que é de direito é de fato.
É possível apontar também as desigualdades sociais no arcabouço de tamanho enraizamento de desprezo para com os direitos da própria espécie, direitos humanos que pertencem à natureza de cada um. Essa desigualdade se dá pelos privilégios que o sistema oferece para alguns poucos em detrimento de tantos outros. O raciocínio é simples: se o cidadão mediano necessita acordar cedo, pegar trânsito, trabalhar, estudar e pagar as suas contas, por qual motivo certas pessoas, mesmo sem precisarem de fato, possuem, por direito adquirido, auxílios especiais para moradia, terno, gravata, carros oficiais, motoristas particulares, ajuda de custo em viagens, vantagens de cargo, bolsas sem trabalhar ou produzir, entre outros exemplos que causam na maioria da população um estado de apatia ou de ira?
A relatividade da lei e a sua diferenciação deve ser levada em conta nesta análise de causa-raiz, pois se estamos falando de direito, devemos entender suas características fundamentais e gerais para uma análise holística. A falta de credibilidade jurídica e política impactam na queda de legitimidade dos direitos humanos. Efeito de causa e consequência. Se alguns possuem foros especiais e se a mesma lei não se aplica a todos, a justiça tem a sua parcela de participação. Nem sempre o que é legal é legítimo e vice-versa.
Deve se ter em mente que o sistema-mundo político é regime por uma espécie de anarquia, pois, mesmo com blocos regionais (sobretudo de cunho econômico) e superpotências hegemônicas que atuam nas relações internacionais, não há, politicamente falando, uma direção única, um modelo que todos seguem à risca, não há um caminho que todos devem seguir. Assim sendo, no âmbito internacional, não há uma constituição geral que paute todas as pessoas de todos os países. Essa heterogeneidade pode ser considerada saudável pelo grau de independência que gera nas nações e no respeito às suas especificidades, mas também afeta na autonomia e fragmentação de organismos mundiais, tal como a ONU.
Por fim, outro fator a ser considerado é a ascensão do autoritarismo como modelo político clamado por alguns saudosistas de regimes conservadores, totalitaristas e/ou nacionalistas como ditaduras militares e fascismo. Em um cenário de estresse, cansaço e saturação popular, a alternativa extremista é atraente para, na teoria, colocar fim aos exageros de uma oligarquia sofista pervertida. A velha demagogia de palanque. A força e a coerção estatal são vistas como alternativas viáveis para o retorno da coesão social, o que no fundo se apresenta como uma ilusão tendo-se em vista as perdas dos direitos individuais, políticos e sociais.
Hobbes já dizia, séculos atrás, sobre abrir mão de parte da liberdade individual para a construção de um Leviatã, um Estado forte e centralizador que traria paz e prosperidade para a sociedade. Quase 400 anos se passaram desde as discussões filosóficas sobre jusnaturalismo, propriedade privada e defesa do liberalismo e o que se vê na realidade é o oposto da perfeição teórica de tais autores.
A garantia da universalização dos direitos humanos é fundamental para que as pessoas sejam tratadas com dignidade e punidas conforme os seus atos, sem exacerbações. Afinal, gente deve ser tratada como gente. Não precisa concordar, basta respeitar o próximo. Quando a humanidade perder seu vínculo social e seu elo com a própria natureza será a verdadeira representação do fim.
A garantia da universalização dos direitos humanos é fundamental para que as pessoas sejam tratadas com dignidade e punidas conforme os seus atos, sem exacerbações. Afinal, gente deve ser tratada como gente. Não precisa concordar, basta respeitar o próximo. Quando a humanidade perder seu vínculo social e seu elo com a própria natureza será a verdadeira representação do fim.
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