domingo, 5 de junho de 2016

Reflexão sobre a estadania

É de esgotar qualquer cidadão as notícias sobre corrupção na política. Esse poço parece não ter fim. Se por um lado o poder judiciário ganha destaque como nunca antes visto em nosso país, fazendo valer a Constituição através da Lava Jato e outras operações, por outro temos a real dimensão da sujeira instaurada nos poderes legislativo e executivo. Políticos de todos os partidos são citados como beneficiários em atividades suspeitas. No caso do legislativo, ao invés de criar leis para o bem público foram criadas propinas com o dinheiro público. No caso do Executivo, ao invés de executar a lei visando o bem estar social, eram executadas demandas para o interesse próprio e privado. Mesmo assim, caciques como Eduardo Cunha, Renan Calheiros e tantos outros continuam no poder. Em um momento conturbado como este, em que tanto se fala em democracia e cidadania, me questiono se não seria o caso de classificar como estadania.

Primeiro vamos conceituar cidadania, que é a soma dos direitos civis (liberdade de expressão), políticos (participação pública) e sociais (serviços sociais dignos e justos). Com isso, temos um contexto em que o cidadão é o dono do poder e governa, através dos seus representantes eleitos. Então nos perguntamos, por meio de comparação, o motivo pelo qual essa cidadania democrática não funciona no Brasil. Temos que ter em mente que a forma histórica de como a nação foi construída é diferente de países com os quais pretendemos comparar, como França e Estados Unidos. Há ausência de uma cultura enraizada na sociedade brasileira, onde sempre houve e continua existindo uma excessiva concentração de força no Estado. Daí o termo estadania.

Os princípios fundamentais de igualdade são postos à prova quando favorece políticos com foro privilegiado. Desse modo, nem a justiça é tão justa assim. Em uma democracia, as leis deveriam favores a maioria. Porém, aqui parece haver uma inversão de valores onde a democracia privilegia uma elite oligárquica que há muito está no poder. No sistema presidencialista em que vivemos, o presidente é visto como uma figura paterna onde o poder executivo parece estar acima dos demais. Um bom exemplo está na "reforma" prometida pelo então presidente interino Michel Temer, onde em plena crise econômica o mesmo cria 14000 novos cargos. Na crise o primeiro corte é o famoso cafezinho, mas será que ninguém vê a gravidade em que estamos metidos?

O Estado, com toda a sua soberba, continua a pagar altos salários, prevendo aumentos exorbitantes para secretários, deputados, vereadores, senadores e tantos outros. Enquanto isso, a máxima de sempre prevalece: aumento de impostos para o trabalhador sem nenhuma melhoria. Muito pelo contrário, o sistema público encontra-se em colapso. Basta ver o caos na segurança nacional e no sistema de saúde. Nesse ponto tomo como exemplo o Estado do Rio de Janeiro. O maior legado para os eventos internacionais como a Copa do Mundo e as Olimpíadas está no bolso dos organizadores. E quanto ao povo? Bem, o povo continua sem atendimento nos postos de saúde, continua morrendo por balas perdidas, continua sendo escravo do trabalho (pois trabalha para tentar sobreviver ao invés de trabalhar para atingir seus sonhos) e continua sofrendo abusos, como o caso do estupro coletivo.

O Estado parece alheio a tudo isso, não cumprindo com a sua missão de servir ao cidadão. O Estado é a perda parcial da liberdade dos seus cidadãos para garantir uma vida digna e com qualidade. A estadania encontra-se no nepotismo, no dólar escondido na mala, na propina por vantagens, na submissão do povo ao Estado, esse último detentor do direito da violência. A estadania está na política pelo interesse próprio, na votação do próprio aumento enquanto a população luta para ter o mínimo. A estadania está no foro privilegiado do político corrupto que continua recebendo benefícios públicos por um trabalho que ele não prestou. Qual o crime maior do que aquele em que o representante eleito pelo povo desvia a merenda escolar para obter lucro e status? Qual o crime maior do que aquele que constrói estádios e aeroportos desnecessários ao invés de investir em transporte de qualidade? Qual o crime maior do que aquele que tira da educação e da saúde para colocar em paraísos fiscais  ocultos?

Nesse sentido, espero que o leitor reflita sobre o papel do cidadão e sobre se a democracia x estadania. O Brasil tem suas particularidades de modo que não basta fazer uma cópia de um modelo internacional. Se a própria Constituição diz que é reservado aos Estados do Brasil tudo o que não é reservado à União e aos municípios, o que sobra é pouco. Então, por que não cortar a esfera estatal, deixando apenas as esferas municipais e federais? Os Estados são gastos que, no meu ponto de vista, poderiam ser cortados. Desse modo, seriam cargos a menos para serem sustentados e corruptos a menos para desviar verba pública. Questiono-me qual o motivo de não poder haver candidato avulso, prendendo o cidadão aos partidos políticos. Questiono-me o motivo pelo qual o plebiscito, o referendo e demais formas de participação pública são pouco usados. Se a democracia é do povo, a maioria do povo deveria decidir sobre os assuntos coletivos. A democracia cidadã não deve estar restrita a um pequeno grupo.

Muitos dos nossos direitos foram concedidos, mas devemos conquistá-los e fazer valer a força da união. 

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