Dando continuidade aos principais temas em pauta no congresso nacional e na sociedade civil, hoje abordarei uma breve reflexão sobre as reformas políticas e trabalhistas, com o intuito de que os mesmos sejam mais debatidos e compreendidos, para que dessa forma não caiam no esquecimento. Como dito anteriormente, o governo federal se apropriou de forma unilateral de propostas que impactam diretamente o cidadão sem ao menos consultá-lo de forma ampla, com o objetivo de aprovar rapidamente os assuntos do seu interesse, utilizando-se de propagandas midiáticas tendenciosas (com o apoio de muitos telejornais e empresas), trazendo informações incompletas e imprecisas, favorecendo assim o seu ponto de vista e, consequentemente, faltando com o compromisso de responsividade que se espera de um ente público para com a população.
A reforma trabalhista possui itens que poderão ser negociados diretamente entre patrão e trabalhador, igualando assim uma situação desigual, pois aquele que precisa do emprego para a sua sobrevivência não está no mesmo patamar daquele que possui uma vaga para a obtenção de lucro (sobretudo em tempos de recorde na taxa de desemprego nacional, chegando a 13,5 milhões de trabalhadores atingidos). Poderá ser negociado: parcelamento das férias em três vezes, participação nos lucros, jornada em deslocamento e jornada de trabalho (com limitação de 12 horas diárias e 220 horas mensais). Direitos que podem ser negociados: intervalo entre jornadas (limite mínimo de 30 minutos), entrada no programa de Seguro-Emprego, extensão do acordo coletivo após expiração, plano de cargos e salários, banco de horas, remuneração por produtividade, trabalho remoto e regime de ponto.
Para ter validade, tal acordo deveria ser feito entre empresa e sindicato. A grande questão aqui é a falta de representatividade dos sindicatos que, assim como a maioria dos partidos políticos, não cumprem o seu papel democrático, representando na maioria dos casos interesses particulares que não satisfazem o anseio do trabalhador. Digo mais: corre-se o risco da apropriação, às escuras, de tais instituições que atuarão em prol do empregador, fragilizando ainda mais a relação entre trabalhador e empregador. Como se não bastasse, a questão da terceirização de atividades primárias está cada vez mais próximo do proletariado brasileiro. O resultado dessa alteração: uma concorrência cada vez maior entre os próprios trabalhadores, tratados como meros produtos que lutarão entre si em um sistema de oferta e demanda, onde aquele que se desvalorizar mais conseguirá a vaga. Temos aqui o sonho de toda a classe empresarial, aproveitando-se da situação para ficarem com uma quantia ainda maior do esforço do trabalho de terceiros. Desse modo, o trabalhador perde o seu valor como ser humano, sendo visto apenas como um produto descartável na prateleira de tantos outros desempregados que estão em disputa.
A alegação para a aprovação de tal reforma é a mesma: busca pela atração de investimentos privados para a geração de empregos e, com isso, o restabelecimento da economia. Na realidade o argumento deveria ser a incapacidade dos políticos como gestores, agindo de forma irresponsável para com a coisa pública, condenando a população inteira por erros conscientes, imorais e abusivos. Isso é crime, previsto na Carta Magna no que se refere à administração pública. Volto a bater na tecla: se o governo federal quer incentivar a economia faça o dever de casa reduzindo gastos e tributos. A ameaça de aumento de impostos é a saída mais fácil de governos que não possuem o mínimo de capacidade gerencial. A suposta "maior autonomia" do trabalhador diante do seu contrato de trabalho é uma ilusão, tendo-se em vista que a própria Constituição Federal busca equilibrar as relações desproporcionais, como é o caso do trabalhador x empregador e do consumidor x fornecedor. Esta reforma pode até favorecer alguns, mas com certeza não favorecerá a grande maioria dos trabalhadores que rezam por dias melhores.
Por fim, a última reforma que tratarei será a política. A nobre classe política brasileira busca se proteger das ações de limpeza promovidas pelo poder judiciário, tentando legalizar o caixa dois e atribuir uma nova perspectiva de abuso de autoridade (para acusar a própria justiça). Como se não bastasse, os mesmos tentam agora realizar, às pressas, uma reforma política (mais uma vez sem ouvir a voz do povo) para o chamado voto em lista fechada, onde o voto para cargos legislativos seria apenas para o partido e não mais para o candidato. Com isso, os partidos fariam uma lista fechada (sem prévio conhecimento do eleitor) com os nomes dos candidatos que ocuparão as cadeiras obtidas. Quer dizer o seguinte: além de votarem no aumento do próprio salário, os políticos envolvidos em casos de corrupção poderão ser eleitos de forma obscura.
Esse tipo de sistema de voto transfere o poder decisório para os partidos (o que é um grande problema tratando-se de Brasil), podendo beneficiar candidatos com acusações na justiça. Tal lista favoreceria candidatos que aí estão, dificultando a renovação política, tão essencial na atualidade. Tal proposta agrada os três maiores partidos do país (PT, PSDB e PMDB), mesmo que de forma não explícita. Reflita: quantas vezes esses partidos foram eleitos nos últimos quinze anos e qual o resultado dessa política (seja por meio do próprio partido ou de coligações no chamado governo de coalizão). Reflita também o grau de influência desses três grandes nos âmbitos municipais, estaduais e federais e quais os benefícios que a população obteve. Somos reféns de oligarquias políticas e esse ciclo precisa ser quebrado. O voto em lista fechada é só mais uma forma dos atuais políticos obterem seu maior objetivo: a reeleição.
Não é novidade que carrego um pensamento idealista de uma política democrática (de deliberação, participação e reconhecimento popular), social (com foco no ser humano e não no lucro) e anárquica (sem um poder central ditando as ordens de forma unilateral). Entretanto é preciso compreender que há uma diferença entre idealização e realidade. Dito isso, creio que o voto distrital misto aberto seja o mais adequado para o conceito de democracia representativa que se tem hoje. Nesse tipo de sistema, o eleitor vota no partido (com a lista aberta, previamente divulgada) e no candidato da sua zona distrital. As cadeiras serão divididas: metade é distribuída entre os nomes presentes nas listas dos partidos, enquanto a outra metade vai para distritos. Vale lembrar que mesmo hoje, com o atual sistema de voto proporcional com lista aberta, os cargos são dos partidos e não dos candidatos. Esse tipo de sistema garante maior proximidade entre parlamento e cidadão, levando demandas regionais sem prejudicar as causas minoritárias. Este é o sistema de voto em vigor na Alemanha.
A classe política está acuada, tentando se defender de todas as formas, sem se importar com os efeitos que suas ações terão no futuro. A participação da sociedade civil é fundamental para a construção de um Estado forte e abrangente. Hoje muitos brasileiros não se identificam com os representantes que aí estão, motivo pelo qual muitos desejam sair do país. Estamos cansados de pagar as contas de corruptos e má gestores. A reforma política é sim necessária, mas não da forma que estão tentando fazer, tratando a política como uma pirâmide hierarquizada em que as regras são impostas de cima para baixo.