quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Reflexão sobre a politização do judiciário

Muito fala-se sobre a judicialização da política. Seja em noticiários, programas de tv, revistas, jornais e até mesmo em discussões de redes sociais. Há uma inversão de conceitos refletida justamente pela inversão dos termos (diferentemente da lógica exata que diz que a ordem dos fatores não altera o produto). Partindo de tal princípio, a influência da política sobre o judiciário faz mais sentido, tornando-se assim um efeito causal de politização do judiciário, pois a primeira age sobre a segunda.

Pode-se entender por direito, por meio de um conceito simplório, como um sistema de normas de conduta criados para a manutenção da sociedade e impostas para os indivíduos que dela fazem parte, regulando as relações sociais para o equilíbrio, ordem e progresso das pessoas. Pois bem, partindo da hierarquização piramidal de Hans Kelsen temos no topo das leis a Constituição Federal, elaborada por políticos através da formação de uma constituinte eleita. Após formulada e promulgada, a defesa, interpretação e aplicação em última instância cabe ao Supremo Tribunal Federal, tido como guardião da mesma. Pois bem caro leitor, assim é em um Estado de direito seguindo a lógica da democracia representativa. Entretanto, os mesmos que repetem tais termos exaustivamente no executivo, legislativo e judiciário parecem distorcer a lógica da coisa. E então o que era claro passa a ser confuso e discordante.

É fato que o direito não trata-se de uma ciência exata, onde dois mais dois é igual a quatro. Uma lei promulgada segue uma lógica que dá margens a interpretações. Porém, o que está ocorrendo no Brasil são interpretações indo totalmente contra ao espírito de determinada lei, onde indivíduos utilizam-se do argumento distorcido de legalidade para obter uma legitimidade que não existe. Interpretações que vão ao oposto do que fora formulado à priori, podendo ser representado por um entendimento à 180° do que fora proposto. É aceitável que uma lei possua tolerância de interpretação, assim como na mecânica existem tolerâncias para a projeção de peças. Mas o que se nota é uma total inversão de valores.

Judiciário
Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2017/05/lava-jato-nos-deixara-a-heranca-de-um-judiciario-incontrolavel-diz-candido-grzybowski

A jurisprudência e os paradigmas consensuais acadêmicos são deixados de lado em prol de conchavos para defender interesses particulares e salvar a própria pele. A mensagem que o Congresso Nacional passa para a população, de um modo curto e direto, seria: "fodam-se". O que se vê são processos iguais com pesos diferentes. É possível citar como exemplo o caso Dilma x Temer, onde a segunda acusação contra o atual presidente tende a virar pizza, pela segunda vez. Ora, este deveria ter caído junto à ex-presidente. Assim também foi no caso Delcídio x Aécio. A mesma mão que pune corretamente um corrupto, deixa tantos outros soltos, induzidos, sobretudo, pela ideologia política e influência financeira.

Para não ficar apenas na esfera federal, é possível citar o caso do município de Sorocaba. O então prefeito José Crespo (do partido Democratas) fora eleito e logo no começo do mandato fez exatamente o oposto do que havia prometido. Sim caro leitor, não é que ele não cumpriu as promessas, ele fez o oposto. Tal fato me faz lembrar o trecho de uma canção dos Titãs: "não é que eu vou fazer igual, eu vou fazer pior!".

Segundo matéria publicada no primeiro dia deste ano pelo jornal Cruzeiro do Sul, Crespo havia prometido aumentar o número de vagas nas creches com o intuito de zerar o déficit em Sorocaba, mas reduziu o horário de atendimento para meio período. Prometeu reduzir o valor do passe social e passe livre para estudantes, mas aumentou o valor da passagem. Ao invés de realizar cortes nos gastos públicos propôs duzentos cargos comissionado para votação na Câmara Municipal. Como se não bastasse, envolveu-se em um escândalo com a vice-prefeita, que denunciou o caso de uma assessora sem diplomação necessária para ocupar o cargo, inclusive impedindo a vice de exercer sua função, impedindo-a de acessar a sala que é sua por direito...enfim, uma verdadeira zona política. Resumo: o mandato do mesmo foi cassado pelos vereadores mas, poucos meses depois, a justiça, caridosamente, colocou-o novamente como prefeito. Tudo isso com menos de um ano de mandato.

A incerteza jurídica é tão grande que não sabemos o que acontecerá nos próximos meses, seja na esfera municipal ou na esfera federal. A própria economia sente tal insegurança, pois este ramo baseia-se em projeções baseadas em análises do contexto atual. Sendo assim, não só a estabilidade política é importante, mas também a estabilidade jurídica é fundamental para a confiança econômica. 

O que temos é uma quebra no contrato proposto pela tripartição dos poderes. Montesquieu deve estar revirando-se em seu túmulo. Não é à toa que as principais instituições políticas e jurídicas (dentro da suposta democracia vigente) são as que possuem menor índice de confiança, segundo pesquisa da FGV no ano passado. Nas primeiras posições temos as forças armadas e a igreja católica - o que explica e muito a constante ascensão nacional do conservadorismo e do nacionalismo (muitos em defesa do militarismo e do conceito familiar). A instabilidade das instituições leva cada vez mais a sociedade para o extremismo, seja qual for a ponta desse extremo.

graficoconfianca
Fonte: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI248251,51045-Apenas+29+da+populacao+confia+no+Judiciario+diz+pesquisa

Não é a justiça que interfere na política, basta analisar os conceitos. O judiciário deveria agir de forma regular e imparcial, pautado pela lei. Aliás, é um princípio do direito público: agir conforme o que fora estabelecido. Cabe ao legislativo elaborar as leis e fiscalizar o executivo, que por sua vez deve colocá-las em prática, em prol do povo. Cabe aos cidadãos votarem e ao judiciário defender, interpretar e aplicar as leis. Desse modo, seguindo a lógica da independência dos poderes, a palavra final é a do STF. O problema surge quando eleitores votam de acordo com os próprios interesses, quando políticos se vendem em prol dos próprios interesses e quando certos juízes e ministros entram no jogo do capitalismo selvagem, causando uma cisão dentro da própria instituição. Não sou adepto do conceito de representatividade, mas para que o sistema funcione é preciso que representante e representados cumpram as leis ao invés de dar o jeitinho brasileiro. Aí está outro problema, os ministros do STF são indicados pelo presidente da república, deixando para trás conceitos democráticos, técnicos e de mérito. Isso sem mencionar o foro privilegiado que difere a classe política dos demais. Pobres mortais. 

Pode-se concluir que ao contrário do que é divulgado pela mídia, na verdade o que há é uma politização do judiciário, visível em sua instância maior (STF). Como exemplo são as votações divididas, como fora no caso do Aécio, onde nem a presidente da instituição (Cármen Lúcia) foi capaz de esclarecer as supostas obscuridades da Constituição Federal, gerando uma verdadeira confusão de interpretação constitucional e, consequentemente, insegurança jurídica, favorecendo os atores corruptos. Já os políticos não agem de acordo com a lei, não seguem regras; buscam brechas, criam falhas, utilizam-se da oratória e da influência para instaurar um verdadeiro Estado da demagogia, de promessas inexistentes e de políticas públicas vagas. 

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