terça-feira, 28 de novembro de 2017

Reflexão sobre a consolidação da Ciência Política no Brasil

Após abordar o surgimento da Ciência Política brasileira no post anterior, agora será tratado o processo de consolidação e profissionalização da disciplina. Para tanto, é necessário diferenciar os estágios evolutivos da mesma no território nacional. Na institucionalização (nascimento) o objetivo foi fazer uma disciplina independente e forte. Para isso foi necessário provar que seu objeto de estudo era único, onde a Ciência Política teria elementos suficientes para explicá-lo, sem depender das demais disciplinas. O enfoque da época estava sobretudo na independência desta diante das demais ciências sociais dentro do meio acadêmico, criando cursos de mestrado e doutorado. 

Já na autonomização o objetivo foi aumentar os cursos específicos dentro do meio acadêmico e implantar a graduação em Ciência Política cujo foco está na consolidação via mercado de trabalho, obtendo reconhecimento profissional dentro da prática política nacional; o enfoque dos cientistas políticos está na produção intelectual e na expansão profissional da área. Pode-se citar também o fator histórico dos dois períodos: no processo de institucionalização havia a ditadura militar onde o objeto de estudo estava centrado nos atores políticos, elites, poder e teoria política. Já o processo de autonomização deu-se no período de redemocratização do país, tendo como objeto de estudo as instituições, a democracia, sistema eleitoral, partidos políticos, eleições e políticas públicas.

Para tal processo de consolidação é importante ressaltar três instituições que foram fundamentais para o desenvolvimento e proliferação da disciplina: (a) CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; (b) ANPOCS - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais; (c) ABCP - Associação Brasileira de Ciência Política. Todas destacaram a cientificidade da disciplina, reforçada por métodos técnicos, estatísticos e quantitativos nas análises, pautando-se em dados e fatos. Isso faz com que a mesma se destaque diante da subjetividade humanística que atinge as demais disciplinas similares. 

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Fonte: http://memoria.cienciapolitica.org.br/

Com base no artigo “O MERCADO DE TRABALHO DO POLITÓLOGO NA PERSPECTIVA DOS CURSOS DE BACHARELADO EM CIÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL” é possível afirmar que o cientista político possui espaço próprio no mercado de trabalho. Como argumentação é possível citar os dados colhidos pelos pesquisadores tendo como alvo o foco das graduações de Ciência Política das Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil, onde 94,82% demonstram ênfase na formação para o mercado de trabalho; portanto, fora do âmbito acadêmico. Sobre as áreas que fazem parte do mercado da política, ainda com base no artigo, é possível citar quatro: (a) Magistério Superior (professor-pesquisador); (b) Eleições (gestor de campanha eleitoral); (c) Administração Pública (especialista em políticas públicas e gestão governamental); (d) Relações Governamentais / Institucionais (articulador político). 

Em uma perspectiva histórica é possível traçar um paralelo-comparativo com o desenvolvimento da profissionalização da Ciência Política no Brasil: (a) 1985 - as Relações Governamentais surgiram no setor privado e sociedade civil para dialogar com os tomadores de decisões da esfera pública e tentar influenciar os constituintes no que viria a ser a Constituição Federal de 1988; (b) 1989 - depois de décadas de ditadura militar a população brasileira enfim voltou às urnas para escolher o presidente do país. Neste caso as campanhas se profissionalizaram e criou-se diversas oportunidades de trabalho cujo case mais famoso foi a eleição de Collor; (c) 1995 - durante o governo FHC houve (ou pelo menos tentou-se) a implantação da administração pública gerencial em detrimento do sistema burocrático, absorvendo uma grande quantidade de especialistas em políticas públicas. 

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Fonte: http://scienceblogs.com.br/dragoesdegaragem/2016/05/ciencia-politica-e-crise-brasileira/

Vale destacar que a Relação Governamental é o principal pilar na atuação de cientistas políticos no mercado de trabalho extra-acadêmico sendo o alvo principal na formação de assessores/consultores e possuindo uma crescente na oferta de vagas, tornando-se uma área própria de estudo e de atuação dos cientistas políticos dentro do jogo democrático representativo. É possível citar as quatro áreas do conhecimento que compõem tal atividade: (a) político; (b) jurídico; (c) comunicacional; (d) específico. 

A fragmentação social para com a política deve-se à herança do voto oligárquico fraudulento que assolou o país durante a Primeira República. Este modelo de concentração de poder patriarcal, elitizado e em busca de heróis da nação persiste na atualidade sobre a forma de participação indireta da democracia representativa contemporânea, favorecendo interesses particulares em detrimento do bem público. A implementação da Ciência Política na grade curricular das escolas é essencial para a formação de cidadãos conscientes e, consequentemente, na construção de uma sociedade civil participativa. Enquanto isso não ocorrer, continuaremos reféns dos interesses alheios.

domingo, 19 de novembro de 2017

Reflexão sobre a institucionalização da Ciência Política brasileira

A institucionalização da Ciência Política tal como a conhecemos surge como um esforço dos Estados Unidos da América para educar politicamente os seus cidadãos, promovendo o apreço pela democracia. Para conceber uma autonomia politológica para a disciplina foi necessário um afastamento das ciências humanas, sobretudo da Sociologia.

A Ciência Política passou a utilizar métodos estatísticos e matemáticos para analisar a política e suas respectivas tendências, sem abrir mão da intersecção com outras áreas do conhecimento como economia, direito e, posteriormente, psicologia. Também delimitou-se o objeto de estudo cabendo à Ciência Política estudar o Estado, as relações de poder e as instituições. Desse modo, passou-se a valorizar métodos quantitativas como as pesquisas eleitorais. Tal característica exclusiva fez da Ciência Política um campo autônomo, afastando-a da subjetividade que atinge as abordagens humanísticas.

Para entender a gênese por trás da institucionalização é preciso contextualizar o período histórico em que as peças se encaixaram. Pode-se começar pelo predomínio da sociologia sobre as ciências sociais brasileira, influenciada fortemente pela sociologia francesa. O polo de tal vertente estava na sociologia paulista, por meio da Escola Livre de Sociologia e Política (1933) e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934). A figura principal desta época que retratava tal pensamento era Florestan Fernandes. 

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Fonte: https://www2.congressonacional.leg.br/visite

Entretanto, haviam estudantes com um outro modo de enxergar o mundo que divergiam do pensamento predominante da época. É possível destacar os alunos da Faculdade de Administração e Ciências Econômicas de Minas Gerais (1941) que, diferentemente das demais faculdades, possuíam uma grade diversificada. Especificamente no FACE havia o ensino de ciências aplicadas (economia, direito e administração) cujo foco era formar uma elite mineira pensante capaz de tirar Minas Gerais da estagnação político-econômica em que se encontrava na época. Desse modo, a faculdade mineira inovava no ensino para formar futuros cidadãos influentes na gestão pública local ao implantar em 1953 o curso de Sociologia e Política.

Na década de 60 havia uma tensão internacional, onde a Guerra Fria ganhou novos contornos com a Guerra das Coreias, Revolução Cubana e, consequentemente, a Crise dos Mísseis, esta última influenciada pela tentativa fracassada de intervenção estadunidense em território cubano pela Baia dos Porcos após a revolução. A eminência de uma guerra nuclear entre as duas maiores potências da época levou o mundo a viver sob a influência dos principais atores políticos do período, seja dos EUA, seja da URSS. 

Diante de tal conflito os Estados Unidos buscou ampliar a sua área de influência na “vizinhança”, sobretudo após a perda de Cuba para a influência soviética. Desse modo, patrocinaram governos que se postavam contra a “ameaça comunista”, independente dos métodos. Neste caso em específico trago os ensinamento de Maquiavel, onde os meios (geralmente prisões unilaterais, torturas e até mortes) justificavam os fins (combate e extinção da ameaça comunista do continente americano).

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Fonte: https://plushistoria.blogspot.com.br/2016/07/resumao-guerrafria.html

Assim foi com o apoio à ditadura brasileira que se iniciou em 1964. Esse apoio não restringiu-se às áreas militares, mas também ao campo acadêmico. A Ciência Política passou a ser um meio de cultivar o pensamento político estadunidense, exportando-o para além das fronteiras para os países vizinhos. Desse modo, a Ciência Política traria a visão de mundo dos EUA para o Brasil, sobretudo seu apreço à democracia e ao liberalismo. É aqui que os acontecimentos separados se unem: o apoio deu-se sobretudo devido ao patrocínio da Fundação Ford que bancou a ida dos estudantes do FACE para a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) no Chile e, posteriormente, distribuiu bolsas para esses alunos se especializarem em Ciência Política nos Estados Unidos.

A Fundação Ford formou os estudantes mineiros na doutrina da Ciência Política estadunidense, transformando discentes em docentes, prontos para lecionar e difundir o seu conhecimento politológico no Brasil. Os dois principais centros no país foram a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1967 e o Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ) em 1969. Com isso a Ciência Política conseguiu a tão almejada autonomia e se institucionalizou de vez no país. Posteriormente a Ciência Política alcançou a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), espalhando-se país afora, o que contribuiu (e ainda contribui) para o processo de estabilização e profissionalização.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Reflexão sobre educação e ensino

Em semana de Exame Nacional do Ensino Médio (vulgo ENEM) é válido refletir sobre educação e ensino. Apesar de aparentemente ambas possuírem o mesmo significado, as palavras educação e ensino possuem definições diferentes, possuindo valores muitas vezes esquecidos (ou invertidos) pela sociedade. Não que as mesmas divirjam totalmente entre si, mas é preciso elucidar o que cada uma representa para a partir daí formularmos um conceito amplo aceitável.

Inicialmente é preciso partir do ponto de que as duas palavras não são iguais. Tal constatação é bem simples, basta consultar a respectiva definição em algum dicionário. Como embasamento segue a explicação de Robson Profeta (amplamente recorrida para a diferenciação dos termos): "Ensino é a maneira pela qual o conhecimento é transmitido (...). Educação refere-se aos valores humanos e sociais". Posto isto fica claro que a construção do ser exige a elaboração de um quebra-cabeça formado por partes distintas cujo resultado final será o indivíduo como tal.

Frequentemente críticas são feitas aos professores e instituições de ensino, atribuindo-lhes a total responsabilidade pela má formação dos jovens brasileiros. Notadamente tais críticas são desmedidas tendo-se em vista que os acusados possuem apenas uma parcela do todo. Muitos pais esperam que o Estado cuide dos seus filhos, esperando um assistencialismo infinito de recursos materiais e imateriais. É fácil apontar o dedo para o outro e esquecer de fazer o papel de casa, muitas vezes contribuindo de forma negativa para a formação do filho. Ora, os principais responsáveis são aqueles que colocaram uma criança no mundo e não o Estado. Se não há planejamento no próprio lar então o começo já está falho.

Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2017/09/violencia-cresce-nas-escolas-estaduais-de-sp-e-compromete-ensino-e-aprendizagem

Há um aumento no índice de violência dentro das escolas envolvendo pais, alunos e funcionários. A principal vítima é a sociedade brasileira e, consequentemente, o futuro do país. Aqui vale destacar a importância da educação, fator este que deve partir de dentro de casa para fora. Se não houver diálogo e orientação na relação entre pais e filhos, não adianta esperar que as instituições façam milagres. O exemplo a ser seguido e a influência exercida por familiares é indiscutível no desenvolvimento do caráter humano desde os nossos antepassados. A estrutura familiar por si só já é uma instituição social de elevada importância. Afinal, colocar filho no mundo é prazeroso, mas cuidar deste com responsabilidade é algo sábio (virtude esta que parece ter se perdido atualmente em muitos lares).

De certa forma, os subsídios fornecidos ao indivíduos desde criança por meio da educação serão a base para o desenvolvimento do ensino. Do mesmo modo que há o descaso de alguns pais com relação aos filhos também é possível notar o oposto: crianças cada vez mais mimadas. Portanto, aspectos culturais, disciplina e respeito são fatores de extrema relevância para a estruturação de uma geração. Tal comportamento é perceptível desde a infância. Segundo matéria publicada pelo portal G1 em 22/08/2017 o Brasil é o número 1 no ranking da violência contra professores. Posição esta nada agradável. Muito fala-se da falta de planejamento estratégico em gestão pública que leva à corrupção. Mas será que não falta também uma boa dose de planejamento e bom senso familiar?

Obviamente que o Estado possuí o seu percentual de responsabilidade por meio do ensino. Não é difícil de encontrar escolas com falta de recursos materiais e de professores, creches sem vaga, progressão automática, falta de tecnologia e inovação nos métodos de ensino, entre tantos outros fatores que podem ser citados. Mesmo não sendo pedagogo ou especialista no assunto, parece-me fundamental oferecer uma base de qualidade para a formação intelectual do aluno e não investir somente no nível superior como constado por vezes. O ensino atualmente encontra-se preso por paradigmas políticos que preferem uma massa não pensante do que uma sociedade avançada e crítica. Sim caro leitor, novamente a política presente e esta pode ser utilizada tanto para o bem quanto para o mal social.

Brasil lder mundial em agresso a professores Profisso de risco sem direito a adicional de periculosidade
Fonte: https://lanyy.jusbrasil.com.br/artigos/186150850/brasil-lider-mundial-em-agressao-a-professores-profissao-de-risco-sem-direito-a-adicional-de-periculosidade


Matérias como noções de ciência política, economia familiar e direito deveriam constar na grade curricular, pois fazem parte da vida de um indivíduo do começo ao fim. Como viver em um Estado democrático de direito sem saber o que é direito, justiça, Constituição, majoritário, proporcional, democracia? Restringir o ensino é restringir o conhecimento. O leque precisa ser aberto, ampliado até para noções de trabalhos manuais residenciais, como trocar a resistência de um chuveiro ou mesmo a lâmpada de casa. Vale aqui ressaltar a importância do esporte para a aprendizagem do aluno. É preciso ter o ensino como prioridade número 1 e investir pesadamente em qualificação dos profissionais, aperfeiçoamento dos métodos de ensino e tecnologia. Chega a ser triste constatar alunos que terminam o ensino fundamental sem conseguir interpretar o que acabaram de ler. 

Outra questão a ser pontuada refere-se justamente à metodologia de ingresso à faculdade: por que depender apenas de vestibular e/ou ENEM, jogando fora todo o passado acadêmico do aluno? Restringir anos de estudo a poucos dias de provas parece-me um erro profundo que os governos insistem em executar. Existe a necessidade de discutir alternativas ao sistema que aí está. Como sugestão creio que o acesso ao nível superior deveria ser resultado da soma das médias de notas dos ensinos anteriores, frequência do aluno, disciplina (comportamento) do mesmo e, por fim, vestibular. Os pesos não precisam (nem devem) ser os mesmos, mas parece-me claro que a sistemática atual deve ser revista de modo que a obtenção de uma cadeira em uma faculdade deva ser o conjunto da obra. De um modo básico tal conceito proposto pode ser representado pela somatória das médias conforme a fórmula que elaborei abaixo:

ENSINO SUPERIOR = ∑ (NOTAS + COMPORTAMENTO + FREQUÊNCIA + VESTIBULAR)

Para finalizar, é possível concluir que todos os entes do contrato social (conforme o conceito genérico idealizado pelos autores contratualistas) são responsáveis pela construção da aliança entre sociedade (mais ligada à educação) e Estado (mais ligado ao ensino) - cada um com a sua respectiva parcela. Não adianta esperar que o Estado resolva todos os problemas do indivíduo, até mesmo porque este não é o seu motivo de ser. Planejamento é fundamental, desde a gestão até a formulação da grade curricular e métodos de avaliação. Provas nem sempre personificam completamente a realidade.