Se em 1989 o mundo celebrava a queda do Muro de Berlim, trinta anos depois o mesmo planeta assiste a uma paralisação geral da maior potência devido a um impasse político para a construção de um muro com um de seus vizinhos. Se em 89 a queda do muro que dividia a Alemanha simbolizou a união de um país pautada nos padrões ocidentais, uma geração (30 anos) depois a nação símbolo da hegemonia global com a dissolução da União Soviética e, portanto, sobrevivente da Guerra Fria perde a própria identidade ao se fechar em si mesma.
Desde 22 de dezembro do ano passado (2018), parte do governo dos EUA está paralisado devido à indefinição entre Trump e a oposição sobre a construção de um muro com o México que custará 5,7 bilhões de dólares para o combate da imigração ilegal oriunda da América Latina. Isso representa 800 mil funcionários sem receber e um jogo de barganha tipicamente de criança mimada. O resultado é a maior paralisação já vista em solo estadunidense. Se no discurso durante a campanha o então candidato disse que o México pagaria pela obra, a realidade se mostrou outra para o agora presidente.
Fonte: https://pt.depositphotos.com/130905498/stock-illustration-donald-trump-build-a-wall.html
Parece que o atual presidente dos Estados Unidos não sabe ouvir um não diante de seus argumentos falhos. O shutdown, como é conhecido, não tem previsão de término. Como desdobramento de tal imbróglio, a comitiva que representaria os estadunidenses no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, simplesmente cancelou a participação alegando motivos internos. Mesmo membros do próprio partido são contrários a tamanha destinação de verba para a construção do famoso muro. A questão ultrapassa a natural divergência entre Democratas e Republicanos.
Mesmo assim, a tsunami protecionista do conservadorismo nacionalista parece estar longe do fim, mas já apresenta sinais de fraqueza. Os principais expoentes de tal modinha internacional encontram dificuldades de governabilidade nos respectivos países. Donald Trump está envolvido em diversos escândalos desde o período eleitoral, partindo de envolvimento com os russos até dúvidas no âmbito fiscal, já que o mesmo não declarou os seus patrimônios.
Fonte: https://www.express.co.uk/news/politics/1022759/no-deal-brexit-what-no-deal-means-uk-expats-europe-spain-portugal
O mesmo pode ser dito sobre as barreiras impostas aos produtos chineses, gerando uma guerra comercial desnecessária cujo resultado é que ambos saem perdendo (isso dentro da própria lógica neoliberal de livre-comércio). A muralha da China, assim como o muro de Berlim ou qualquer outra construção ao longo da história mostraram-se ineficientes. A cada novo episódio econômico que acontece, mais a "mão invisível do Estado" de Adam Smith mostra-se inexistente.
Já na Inglaterra, Theresa May e o tão sonhado Brexit parecem sem grandes opções. Disposta a criar um muro em sua própria ilha ao se separar da União Europeia, o tiro saiu pela culatra. Após uma pequena margem a favor da retirada do Reino Unido do bloco europeu, a mesma teve uma derrota avassaladora no parlamento britânico. O prazo para uma decisão definitiva está acabando e as duas alternativas mais viáveis no momento são: ruptura total e abrupta com a União Europeia (o que causaria enormes prejuízos) ou esquecer da ideia de divórcio e continuar com o relacionamento como se nada tivesse acontecido. De qualquer modo, o vexame internacional já foi feito.
Fonte: http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/internacional/trump-bispos-dos-eua-e-mexico-juntos-contra-novo-muro/
Ademais, o efeito não deixa de ter sua parcela de influência diante da ascensão de Bolsonaro, embora o efeito principal de sua eleição seja o voto de protesto ao establishment político brasileiro e, sobretudo, ao voto contrário ao Partido dos Trabalhadores. Falar o idioma que os empresários estrangeiros querem ouvir não é sinônimo de avanço para a maioria da população, pois os mesmos vivem a vida real do dia-a-dia e não os índices estatísticos das bolsas de valores. Outro país da região que adotou a mesma linha e agora patina em sua própria lama é a Argentina.
A principal conclusão que se pode retirar é que a construção de muros não é benéfica para nenhum dos lados. Sejam muros concretos ou linhas imaginárias, a separação deixa marcas negativas. Assim como na matemática, a divisão é o oposto da multiplicação. A exclusão seletiva de determinados povos é esquecer a própria origem da humanidade, baseada na mistura dos povos. O puritanismo nacional não encontra respaldo nem da genética. Tanto se fala em construir relações globais, talvez seja a hora de focar exclusivamente na construção de pontes e deixar os muros para o passado sombrio. Afinal, todos estão no mesmo barco, conhecido também como Terra.