quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Reflexão sobre muros

Se em 1989 o mundo celebrava a queda do Muro de Berlim, trinta anos depois o mesmo planeta assiste a uma paralisação geral da maior potência devido a um impasse político para a construção de um muro com um de seus vizinhos. Se em 89 a queda do muro que dividia a Alemanha simbolizou a união de um país pautada nos padrões ocidentais, uma geração (30 anos) depois a nação símbolo da hegemonia global com a dissolução da União Soviética e, portanto, sobrevivente da Guerra Fria perde a própria identidade ao se fechar em si mesma.

Desde 22 de dezembro do ano passado (2018), parte do governo dos EUA está paralisado devido à indefinição entre Trump e a oposição sobre a construção de um muro com o México que custará 5,7 bilhões de dólares para o combate da imigração ilegal oriunda da América Latina. Isso representa 800 mil funcionários sem receber e um jogo de barganha tipicamente de criança mimada. O resultado é a maior paralisação já vista em solo estadunidense. Se no discurso durante a campanha o então candidato disse que o México pagaria pela obra, a realidade se mostrou outra para o agora presidente.

Donald Trump construir um muro — Vetor de Stock
Fonte: https://pt.depositphotos.com/130905498/stock-illustration-donald-trump-build-a-wall.html

Parece que o atual presidente dos Estados Unidos não sabe ouvir um não diante de seus argumentos falhos. O shutdown, como é conhecido, não tem previsão de término. Como desdobramento de tal imbróglio, a comitiva que representaria os estadunidenses no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, simplesmente cancelou a participação alegando motivos internos. Mesmo membros do próprio partido são contrários a tamanha destinação de verba para a construção do famoso muro. A questão ultrapassa a natural divergência entre Democratas e Republicanos.

Mesmo assim, a tsunami protecionista do conservadorismo nacionalista parece estar longe do fim, mas já apresenta sinais de fraqueza. Os principais expoentes de tal modinha internacional encontram dificuldades de governabilidade nos respectivos países. Donald Trump está envolvido em diversos escândalos desde o período eleitoral, partindo de envolvimento com os russos até dúvidas no âmbito fiscal, já que o mesmo não declarou os seus patrimônios. 

Brexit news
Fonte: https://www.express.co.uk/news/politics/1022759/no-deal-brexit-what-no-deal-means-uk-expats-europe-spain-portugal

O mesmo pode ser dito sobre as barreiras impostas aos produtos chineses, gerando uma guerra comercial desnecessária cujo resultado é que ambos saem perdendo (isso dentro da própria lógica neoliberal de livre-comércio). A muralha da China, assim como o muro de Berlim ou qualquer outra construção ao longo da história mostraram-se ineficientes. A cada novo episódio econômico que acontece, mais a "mão invisível do Estado" de Adam Smith mostra-se inexistente.

Já na Inglaterra, Theresa May e o tão sonhado Brexit parecem sem grandes opções. Disposta a criar um muro em sua própria ilha ao se separar da União Europeia, o tiro saiu pela culatra. Após uma pequena margem a favor da retirada do Reino Unido do bloco europeu, a mesma teve uma derrota avassaladora no parlamento britânico. O prazo para uma decisão definitiva está acabando e as duas alternativas mais viáveis no momento são: ruptura total e abrupta com a União Europeia (o que causaria enormes prejuízos) ou esquecer da ideia de divórcio e continuar com o relacionamento como se nada tivesse acontecido. De qualquer modo, o vexame internacional já foi feito. 

Fonte: http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/internacional/trump-bispos-dos-eua-e-mexico-juntos-contra-novo-muro/

Ademais, o efeito não deixa de ter sua parcela de influência diante da ascensão de Bolsonaro, embora o efeito principal de sua eleição seja o voto de protesto ao establishment político brasileiro e, sobretudo, ao voto contrário ao Partido dos Trabalhadores. Falar o idioma que os empresários estrangeiros querem ouvir não é sinônimo de avanço para a maioria da população, pois os mesmos vivem a vida real do dia-a-dia e não os índices estatísticos das bolsas de valores. Outro país da região que adotou a mesma linha e agora patina em sua própria lama é a Argentina. 

A principal conclusão que se pode retirar é que a construção de muros não é benéfica para nenhum dos lados. Sejam muros concretos ou linhas imaginárias, a separação deixa marcas negativas. Assim como na matemática, a divisão é o oposto da multiplicação. A exclusão seletiva de determinados povos é esquecer a própria origem da humanidade, baseada na mistura dos povos. O puritanismo nacional não encontra respaldo nem da genética. Tanto se fala em construir relações globais, talvez seja a hora de focar exclusivamente na construção de pontes e deixar os muros para o passado sombrio. Afinal, todos estão no mesmo barco, conhecido também como Terra. 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Reflexão sobre os desafios dos representantes eleitos

Uma nova página começa a ser escrita na República Federativa do Brasil. Diante dos resultados das últimas eleições, cabe aqui a reflexão sobre os desafios dos representantes eleitos. Uma guinada ao conservadorismo nos costumes e liberalismo na economia (por mais contraditório que tal afirmação pareça) foi claramente sinalizada nas urnas. A polarização pendeu para um dos extremos e a questão fundamental que se apresenta é como se dará o equilíbrio entre os três poderes no sistema conhecido como freios e contrapesos.

A começar pelo legislativo federal (deputados federais e senadores), o próximo passo é a escolha dos presidentes no Congresso Nacional. As articulações já estão ocorrendo nos bastidores desde o término das eleições. Mesmo aqueles que afirmaram em campanha não aderir ao jogo de troca já realizaram suas barganhas políticas e permutas de interesses. Basta ter em vista a decisão do voto secreto para a escolha dos novos líderes. Tudo às escuras em Brasília. Se a atribuição geral de um legislador é criar leis e fiscalizar as ações do executivo, resta saber o quanto de coalização haverá. Existe também uma forte pressão para a elaboração e aprovação de diversas reformas.

Fonte: http://www.ncst.org.br/subpage.php?id=21171_13-09-2018_pol-tica-estado-e-governo-o-que-e-para-que-serve-a-pol-tica

Diferente dos últimos anos cuja oposição foi pouco atuante e até mesmo cooptada pelo sistema vigente, agora a previsão é que se tenha oposição de fato dita abertamente pelos partidos opositores e até mesmo em declaração recente do ex-presidente FHC (o que evidencia um racha entre os próprios tucanos). Mesmo com a queda da representatividade do PSDB e MDB em ambas as casas, ascensão do PSL e maioria petista na Câmara, a tendência dos velhos hábitos continuarem é grande (mesmo que ocultados por debaixo do pano). 

Já na esfera do executivo federal (presidente) existe a velha relação cega de amor e ódio. O fato é que nesses primeiros dias houveram mais desencontros do que convergências. Mais do que nunca, a afirmação de não possuir uma referência ideológica política se torna falha, por meio do alinhamento automático com os EUA e descompasso com a ONU (chegando a cogitar a possibilidade de instalar uma base militar estadunidense em terras tupiniquins). O alívio do Brasil não se tornar uma Venezuela não deve ser descartado, mas o hábito de lamber os sapatos dos norte-americanos é, no mínimo, constrangedor. 

Fonte: https://spagora.com.br/decreto-que-torna-mais-facil-posse-de-arma-sera-assinado-hoje/

É possível afirmar, de modo ácido, que o governo da extrema-direita começou com o pé esquerdo, mas que ainda há tempo para afinar os discursos ou se afundar de vez. O eleitor mediano brasileiro passou da apreensão pelo estelionato eleitoral (prática de prometer e não cumprir) para o receio de que promessas radicais e sem debate público sejam cumpridas. Nesse contexto é possível apontar o retrocesso para com o meio ambiente (saída de acordos internacionais sobre a preservação ambiental), o descaso para com a ciência e tecnologia (grande Damares Alves) e a terceirização do problema da violência (por meio da regulamentação da posse de armas). 

Ao que parece, os militares das Forças Armadas serão a voz de maior lucidez do governo, o que representa uma dificuldade já que a equipe terá que conciliar o nacionalismo estatal característico da instituição e o ultra-neoliberalismo privatizador defendido pelo guru econômico Paulo Guedes. Vale aqui a observação de que mais de 1500 vagas do Mais Médicos ainda não foram preenchidas (e quem sofre diretamente tal déficit é a população que não é atendida). 

Fonte: https://www.radardf.com.br/precisamos-falar-sobre-politica-sim/

Nos legislativos e executivos estaduais (deputados estaduais e governadores), os desafios de renovação e mudanças são semelhantes aos encontrados pelos representantes eleitos no âmbito federal. A diferença está no poder de transformação, já que as decisões tomadas se restringem aos limites territoriais dos estados (que, segundo a Constituição Federal de 1988, seria a sobra das atribuições da união e dos municípios). Em certos estados há o agravante da crise fiscal, com atraso nos pagamentos e contas no vermelho. Situações dessa magnitude requerem maior pressão e urgência. Além disso, educação básica, transporte e violência são centrais, pois são responsabilidades diretas do estado. 

Não há como causar uma ruptura no status quo do dia para a noite sem deixar estragos e impactos. É preciso encarar o mandato como gestão pública em prol dos cidadãos, pois há muita confusão ao tratá-lo como administração empresarial privada. Coisa privada é diferente de coisa pública, sinônimo de particular, restringe-se a poucos favorecendo grupos específicos e mantendo assim as práticas oligárquicas tradicionais (patrimonialismo e burocracia que dificultam o real progresso da população como um todo). De modo resumido, se os representantes eleitos fizerem o básico, cumprir as respectivas atribuições atendendo as demandas populacionais e respeitando os limites dos cargos sem desvios, será positivo.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Reflexão sobre a pós-modernidade

Você é o reflexo do meio em que vive. Meio ambiente, meio familiar, meio social, meio político. Nessa sociedade líquida (conforme diria Zygmunt Bauman), em que pouco se solidifica e muito se evapora, a exigência que se faz aos cidadãos é de atenção frequente ou morte intelectual certa. Todo dia há uma nova atualização, um último lançamento tecnológico, um avanço científico. Todo dia há uma nova omissão, manipulação de dados, um novo disfarce. É preciso cuidado para que o usuário do sistema não se torne refém do mesmo. 

Você é o reflexo do meio em que vive. No meio da rua, meio doce, meio amargo. A pós-modernidade não é uma mera imitação espelhada da modernidade; pois, além das continuações convergentes, há diferenças cronológicas e contrastes, de nitidez e intensidade, quanto aos aspectos que caracterizam cada período. Mesmo se pensarmos em uma "linha crescente evolutiva" da espécie humana, a história mostra um oceano humano repleto de idas e vindas. Entender tal processo é fundamental para não se afogar.

Fonte: http://www.direitoevirtual.com.br/2014/12/tempos-liquidos-fluidez-das-relacoes20.html

No âmbito meramente temporal, alguns estudiosos caracterizam a modernidade como sucessora do período medieval. Por se tratar de uma afirmação vaga, é possível datar as raízes da modernidade no século XIV com o Renascimento ocasionando um princípio de ruptura no status quo vigente até então; consolidação nos séculos XVII e XVIII com o Iluminismo, Revolução Industrial e Revolução Francesa; e término no século XX após o início da Guerra Fria. Há controversas quanto à datação exata, mas este texto busca uma reflexão em linhas gerais, sem a pretensão de adentrar em tal discussão teórico-científica. Foco nos acontecimentos.

Se a modernidade foi caracterizada por exclamação e esperança, a pós-modernidade (ou contemporaneidade se preferir) tem sido marcada por desconfiança, receio, interrogações e reticências. Se antes houve êxodo rural, urbanização, industrialização e patrimonialismo na vida pública, hoje as questões são imigração, controle da informação, robotização e burocracia estatal. Se antes o Estado era forte e independente, hoje o mesmo encontra-se enfraquecido, dependente e submisso. 

O pensamento passou de linear para fragmentos. Do plano coletivo passou-se ao individualismo. A manufatura transformou-se em especulação imobiliária e financeira. A hierarquia virou extremo: ou falta ou excesso de autoridade. A nova forma de sociabilidade se resume em consumismo e globalização. Uma estranha liberdade vigiada de fronteiras fechadas e ausência de privacidade. A espionagem (seja comercial ou militar) continua atual, assim como os conceitos de rebanho e massa, só que agora cada vez mais virtual (para o bem e para o mal).

Fonte: http://encenasaudemental.net/comportamento/insight/sustentabilidade-liquida-na-contemporaneidade/

Você é o reflexo do meio em que vive. Copo meio cheio ou meio vazio? Por fim, um último conceito a se pensar nesta breve reflexão do sociólogo Ulrich Beck: "se o capitalismo global romper a relação histórica entre sociedade e trabalho, o vínculo entre democracia e Estado de bem-estar social também será rompida". Não à toa os indicadores de qualidade de vida, como o IDH, estão, de um modo geral, estagnados nos últimos anos, sobretudo no caso brasileiro. Talvez a palavra desse início de século, início de milênio e início de ano seja reinventar. Afinal, um ciclo se inicia quando outro período termina e por mais sombrio que pareça, historicamente, após a era das trevas veio o renascimento e a luz.