terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Reflexão sobre a ilusão do Laissez-faire (livre mercado)

Deixar fazer é o significado da expressão francesa utilizada para simbolizar a mais pura teoria do capitalismo. Crentes na independência e autossuficiência do livre mercado, os adeptos acreditam no equilíbrio natural, sem interferência (por mais dolorosa que as consequências sejam). Com uma agenda posta sob tal prisma pelos representantes recentemente empossados, o desafio será implementar um sistema que nunca vigorou plenamente até então. Se faz necessário refletir sobre o tema, mesmo não sendo economista, pois esta é uma questão central que atinge a todos.

O inglês Adam Smith falava sobre a mão invisível do Estado em meados do século XVIII. Já o austríaco Friedrich Hayek chegou a um certo radicalismo quase anárquico no século XX ao argumentar que o Estado deveria ser substituído pelas empresas privadas. Seja qual for a corrente adotada dentro do Laissez-faire, o fato é que nenhuma nação até agora, ao longo da história mundial, foi capaz de desenvolver um sistema totalmente sem interferências, indo sempre além do mínimo aceitável que seria apenas a regulamentação da propriedade privada. Seria simplesmente deixar rolar, como o nome já indica.

Mesmo expoentes do capitalismo tais como Estados Unidos e Reino Unido não foram capazes de deixar o mercado plenamente livre do Estado. O exemplo mais desastroso em se tentar levar tal pensamento adiante foi durante a Grande Depressão de 29 que levou o planeta à beira do abismo. Quando o sistema capitalista adoeceu no início do século XX e o Estado se omitiu por um tempo, a devastação foi tanta que desencadeou desempregos, falência e suicídios. O antídoto encontrado para a falha do capital pouco depois foi a ascensão do nazismo e do fascismo para abraçar as massas desesperadas em seu mais cruel totalitarismo. 

Fonte: http://www.infoshop.org/would-laissez-faire-capitalism-be-stable/

O equilíbrio natural da economia é frutífero em discursos e escritas; porém, até hoje não encontrou respaldo na prática. A realpolitik se impõe aos utópicos. O suposto liberalismo encontra abrigo nos corações conservadores, contrário a qualquer novidade como a internacionalização, pois mesmo pregando o livre mercado e livre concorrência, acabam por adotar políticas protecionistas e nacionalistas. O oposto imediato por meio da completa estatização de todas as atividades mostra-se perigosa e ditatorial, mas possível de ser realizada na vida real. Um exemplo foi a existência do comunismo que se mostrou factível, sem aqui entrar no mérito de seus erros e acertos. 

É preciso traçar limites para não ultrapassar as barreiras dos extremismos. Sendo a economia uma ciência pautada em aspectos micro e macro como questões psicológicas de confiança e previsibilidade, o desafio torna-se maior ainda. Não é uma tarefa fácil, mas o britânico Keynes mostrou ser possível a busca por um meio-termo entre a ilusão do livre mercado e a ditadura do proletariado, tendo seu ápice entre as décadas de 40 e 70. Tanto nos anos seguintes da Grande Depressão de 1929, quanto logo após a Recessão de 2008, a teoria keynesiana (e seus afluentes) foi o remédio para combater a alta taxa de desemprego por meio do estímulo da demanda agregada feita através do investimento público em obras. 

O incentivo para a geração de empregos é uma resposta à inércia, um crédito adicional, não uma troca. Obviamente que tal medicação deve ser moderada, com uso restrito somente em casos específicos como no caso de recessões profundas e depressões econômicas. O absurdo não está na intervenção estatal em certos momentos; o absurdo está na crença de que somente guerras fomentam a recuperação e em taxas de desemprego superiores a dois dígitos. A omissão dos governos acarreta consequências como conturbações sociais generalizadas e propiciam o aumento do autoritarismo / populismo. Problemas se enfrentam com planejamento, não com demagogias.

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Fonte: http://rall.com/2019/01/11/here-is-the-progressive-agenda

A concorrência em si é assimétrica cuja competição leva a oligarquias e monopólios financeiros. O Brasil próprio já foi prejudicado no comércio internacional na competição com produtos estadunidenses, como foi o caso das barreiras impostas pelos EUA para com as laranjas brasileiras e tantos outros produtos que ameaçam a soberania dos vizinhos do Norte. Portanto, não se trata de um processo justo e equilibrado. A maior potência capitalista sempre usa de artifícios de intervenção estatal na economia quando julga necessário, como recentemente no caso da guerra comercial travada por Trump contra os produtos chineses. A guerra (militar ou econômica) é o caminho mais rápido e fácil para os ajustes de conta. É realmente isso que o Brasil quer e precisa?

Mesmo os "bons anos" do livre comércio, entre as décadas de 80 e o início dos anos 2000, provaram ser insuficientes. Obviamente que não existe perfeição nas ações humanas, mas é preferível investimento em obras públicas, tributação progressiva e até mesmo isenções ficais do que aceitar uma onda crescente de desemprego onde o rico fica ainda mais rico e o pobre fica cada vez mais pobre (mesmo com eventuais riscos inflacionários). A miséria e violência são só duas consequências da omissão estatal, pois impostos são pagos. A social-democracia já se mostrou extremamente eficaz nos países nórdicos cujo verdadeiro significado de Welfare State (Estado de bem-estar social) é sentido na pele com os melhores índices de Desenvolvimento Humano. A economia mista é um caso de sucesso.

O Tea Party brasileiro mostra-se uma verdadeira piada, perdida entre costumes, política e economia. Nem Ronald Reagan, nem Trump. Nem Margareth Thatcher, nem Theresa May. Mesmo que um ocasional boom aconteça milagrosamente em poucos anos, não deixará de ser um retrocesso a longo prazo. Isso não significa que o governo deva se endividar plenamente e estatizar a economia. O cerne do caso brasileiro está nos desvios, no conluio entre políticos e empresários, nos altos salários que ultrapassam o salário mínimo e não respeitam nem mesmo o teto estipulado, na falta de eficiência dos altos cargos do funcionalismo público, no excesso de indicações e falta de meritocracia. Ou seja, o problema interno está justamente na falta de controle e investimento.

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