sábado, 15 de junho de 2019

Reflexão sobre a sociedade de castas (Belíndia)

Era uma vez um país com dimensões continentais cuja desigualdade histórica levou a um processo contraditório, repleto de riquezas e potencial econômico de um lado, mas cheio de preconceito e má distribuição do outro. A Belíndia é justamente a ambiguidade entre o crescimento aparente (simbolizado pela Bélgica) misturado à segregação hierarquizada (simbolizada pela Índia). A velha estratificação social se faz presente nas terras tupiniquins em pleno século XXI e mesmo assim a cegueira dos seus habitantes continua centrada no próprio umbigo. Falta empatia, sobra discursos e justificativas. Uma saturação pós-moderna sem previsão de fim dentro dos paradigmas que estruturam o status quo.

O dualismo proposto pelo termo popularizado por Edmar Bacha na década de 70 traduz a realidade de um país emergente preso em suas próprias desigualdades. O crescimento dos tempos áureos não se converteu em desenvolvimento. Assim sendo, quando a estagnação bate à porta o retrocesso é eminente. Os conflitos se fazem na esfera política, mas é o âmbito econômico que pauta todo o jogo. A briga é pela narrativa vitoriosa, por discursos de massa. A luta se faz pela forma, não pelo conteúdo. Cheio por fora, vazio por dentro. Quem está no topo da pirâmide brasileira? Quem está na base dando sustentação sem sustentabilidade?


A sociedade de castas foi um sistema de divisão social hindu característica de países como Índia e Nepal. Pautada pela hereditariedade, não possibilitava movimentações de um estrato para outro. Ou seja, não há mobilidade. A condição (casta) do indivíduo está acorrentada aos seus ancestrais. O filho está preso ao determinismo inerente à condição (estrato) do pai sendo que cada integrante só podia se casar com membros do seu próprio grupo, perpetuando assim a clivagem social. Teoricamente, as classes sociais do sistema capitalista possibilitam uma alta mobilidade, mas talvez estejamos no meio termo entre ambos: estamentos com pouca mobilidade típico do sistema feudal. Haja em vista as oligarquias (políticas) e os oligopólios (econômicos) presentes.

Em sânscrito (língua antiga falada na Índia), casta significa "cor". São quatro os tipos de castas na Índia: (a) Brâmanes - sacerdotes; (b) Xátrias - guerreiros com poder político; (c) Vaixás - comerciantes; (d) Sudras - servos. Os Párias eram marginalizados da sociedade de modo que nem compunham a pirâmide social das castas, restando apenas os trabalhos degradantes por serem considerados impuros dentro do contexto religioso-político (por esse motivo também são considerados intocáveis). Será que tal divisão se concretiza no Brasil? Metade Índia, metade Bélgica. Talvez nem isso. Um país emergente em estado de emergência entre o sonho da primeira classe e o cotidiano do subdesenvolvimento. A realidade é um fato que se impõe na rotina do cidadão, só não vê quem não quer.

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Era uma vez a promessa de sempre colocar a culpa no outro e postergar as melhorias. Cortes sempre solicitados, mas ninguém dá o exemplo. Burocracia de cima para baixo. Sacrifícios necessários para a satisfação real de poucos. Castas perpetuadas com a promessa de ascensão meritocrática, mas no fundo a alta cúpula é formada por indicações e quadrilhas organizadas que chegam ao poder sem projeto, sem planejamento. Era uma vez uma disputa ideológica contra um fantasma que nunca existiu. Em busca da reafirmação da própria certeza pautada em convicções que se fragmentam a cada areia transcorrida da ampulheta. A verdade é obscurecida, o que importa mesmo é o controle da notícia e da informação. Manipular para sobreviver.

A Belíndia de hoje continua sem respostas, mas os questionamentos só aumentam. Sem heróis ou mitos, apenas humanos tentando passar por cima de outros em prol do benefício próprio. Talvez faraós, pirâmides do Egito no Brasil da atualidade. A desorientação implica na busca por salvação. E a escravidão? E a tal da fraternidade? As dúvidas persistem, perguntas que se multiplicam. Enquanto isso os recursos continuam escassos, a demanda aumenta exponencialmente e a vida de todos passa a ser bolhas insulares onde o ter é mais importante do que o ser. 

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