quarta-feira, 24 de julho de 2019

Reflexão sobre o elevador

Tantos números, qual o botão?
Luzes que mudam
Uma outra estação
Um novo andar
Cansado das escadas
A porta se abre
Um velho reflexo no espelho
Fios brancos de cabelo
Pessoas estranhas entram e saem
Correm sem nunca chegar
Som de correntes batendo
Barulho para silenciar
O acidente é inevitável
Eu ainda me pergunto qual o motivo
Qual o meu lugar?
As luzes se apagam
Preso no elevador
Seria melhor ter ido pelas escadas
Sem conexão
Deve haver um outro jeito de se comunicar
Sozinho com a solidão
A vida é uma caixa de ilusão
Obrigado por estar comigo
Prometo não machucar o seu coração
Esperando a ajuda chegar
Nunca chega a minha vez
Cansado de tanto esperar
A velha sensação de prisão
A imagem do espelho sem reconhecimento
Qual é a minha identidade?
Sempre em constante deslocamento
Pessoas diferentes em cada andar
Tantos anos morando sem conhecer
Novos rostos em velhas faces
A faca afiada continua apontada
Cortando a pele a cada segundo que passa
Lembrar de mim
O cheiro das horas em claro
O frio na barriga a cada morte que passa
Prometa que não vai doer
Quando será a minha vez?
Preso nesse elevador todos os dias
Assistindo a mesma cena
Pessoas com pressa sem se importar
Para onde vão?
A idade que não permite andar
Uma criança sorridente a brincar
O chão é o mesmo, mas não o mesmo lugar
Uma foto familiar
A saudade não é em vão
Pegue o seu troco
Não aceitamos devolução
Ele vai levar a dor
As mesmas ruas
Os andares passam sem questionar
Uma nova pessoa
A vida tem que continuar
Batalho tanto sem alcançar
Mesmo subindo a sensação é de estar no primeiro andar
Ele vai elevar a dor
Ele vai
Elevador
Ainda dá tempo?
Um universo frente-a-frente
Mas um oceano separa a gente
Qual o tamanho do infinito?
Somos os mesmos com outros pensamentos
Somos diferentes
Ainda há tempo para recomeçar?
Um sorriso inesperado
Uma conversa no jantar
O mundo está tão agitado
Sufocado na própria gravata
Preciso de um pouco de ar
Preciso respirar além dessa liquidez que afoga
É preciso aprender tudo de novo
Permita ir
De barriga para cima
Então vai
Em busca do próximo lar
Preso em um quadrado perfeito
Difícil de imaginar
Apenas você e o espelho
Permita ir
Sem correntes para segurar
Então vai
Em busca do próximo andar.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Reflexão sobre o ponto cego

O que é o ponto cego? Em homenagem ao dia internacional do rock (13/7) este post será diferente: toda a estrutura textual será com trechos das letras presentes no álbum Ponto Cego da banda Dead Fish. Diante dos fatos como a manipulação do judiciário, a sede por verbas do legislativo e a eleição de um governo incompetente para o executivo, a banda expressou de forma brilhante toda a sua contestação furiosa sobre os processos que se dão no laranjal Brasilis. É uma obra de arte tão atual e coerente que chega a dar esperança em meio a tanta desilusão. O que é ponto cego mesmo? Obrigado!

Só existe o que vê e o que vê é só o que há. A todo o resto é permitido suprimir e eliminar, mas as sombras da caverna permanecerão lá. O medo e a ambição buscam um aliado para manter tudo igual. Enfrenta fantasmas com munição, quem julga nunca sangrar? Passa o muro, passa a grade, passa a porta, passe a chave. Certezas sem questionamentos, a voz que não se faz ouvir. Qual valor em ser o melhor em um? Destruir para dominar, agredir e avançar. Quem é mais irracional? Nada vai sobrar. Trancado de nove às seis, neurose alimentada, a violência vai vencer. É o preço que se paga.

Capa de "Ponto Cego" (Dead Fish)

Sim, sim, sim! Sim, foi golpe orquestrado por sorrisos velhos e apertos de mão rumo ao passado. A esperança das ruas de 2013 catalisou aquele grande acordo nacional com o Supremo e com tudo para estancar uma sangria em nome da família e de um torturador. Uma jovem democracia acorrentada nos porões para que velhos ratos possam voltar a reinar. Comprando a justiça não há corrupção entre brancos e ricos, pois ninguém é julgado e a vida segue. É o preço que se paga.

Elevadores são feitos para subir, as minorias não vão poder usar. Escadas e entrada de serviços, ponha-se em seu lugar. Motivo de vergonha, indignação. A cumplicidade das panelas. O lado certo da história não tem sangue nas mãos. Quando o passado volta à moda em nome de um torturador, o sonho médio é vestir a carapuça do opressor e achar que tem poder. Buscando um inimigo, fomenta a paranoia e faz para confundir. Crianças ficarão longe do senso crítico, quem fraquejar será imediatamente punido. Aponta a arma para si e é assim que começa. É o preço que se paga.

Pelas passarelas de concreto, um idiota, um cidadão de bem desfila com seus cachorros de marca, acessórios do status quo. Fetiche do autoritário, a rédea curta em suas mãos, subordinado adotado para aliviar a tensão. Aperta o passo, aperta o laço mostrando quem é de quem. Correção educativa não se aprende sem sofrer. Liberdade limitada, vigilância para o bem. Pobres cachorros. Os muros serão altos, conter e vigiar. Traços subversivos, punir e delatar. É o preço que se paga.

Imagem relacionada

A distopia que era mito, fundamentada por debates mudos e evasivas, foi endossada, foi eleita. A voz daqueles que só pensam em si para defender o status quo que foi imposto e governar pelo dinheiro. Presos em seu umbigo-mundo, tudo ao redor é ponto cego, puro vitimismo. Cortar direitos, sem empatia, privatizar a qualquer preço é progredir. E não termina assim, é só o começo. Quem paga o preço por um cento enriquecer e prosperar? Visto de cima não parece tão ruim. Distribuída ordem na vertical. O conservadorismo hipócrita do pregador elege seus bolsos. A justiça tira a venda e escolhe o vilão. É o preço que se paga.

Na guerra não convencional, na doutrina do choque, o predador neoliberal faz a festa interferindo no processo eleitoral. Comprando a justiça não há corrupção. Do deus mercado e capital desregularizado se alimentam oligarcas. Reserva de petróleo que não lhes cabe parte necessita intervenção. Novo sistema laboral, fábrica de escravos prioriza oligarcas devorando tudo até não sobrar nada, capitalismo do desastre. Destruir para lucrar com a reconstrução, trocar de dono. No ponto cego está toda a população, meros inquilinos empreendendo, pagando a conta para o bem-estar de poucos. É o preço que se paga.

Desigualdade aumenta, a repressão também, uma guerra de classes beneficia a quem? Fez-se o tumulto e a desinformação, daí surgiu a oportunidade. Instala-se o medo e a insensatez que não aflige quem tem muro e grade. No ponto cego é fácil disfarçar o cheiro podre de todo andar. Congele o investimento em saúde e educação, reduza a idade de trancá-los na prisão. Busque um emprego com a terceirização, pode negociar direto com o patrão. Aceite a migalha e nem pense em reclamar, pois sempre terá outro querendo o seu lugar. É o preço que se paga.


Preste atenção ao demagogo há trinta anos nesse jogo. Sem diálogo, nem projetos, dando graças ao ódio e ao medo. Se a democracia estiver entre o rei e o que ele quer é a caneta ou a espada que prevalecerá. Em meio à crise, autoritário opressor vem para contagiar. Sacramentada pós-verdade, rebanho pronto para aceitar, criados para matar. Não vai adiantar tentar esconder. No ponto cego neutro e seguro que encontrou dentro de um vazio que não cicatrizou. Água empoçada, rigidez, torpor, discurso de casta, modelo importado. Baixa tolerância, alta infração, seguindo a hierarquia e vivendo em negação. É o preço que se paga.

A epidemia se espalhou por todos os lados. A mentira viralizou, tornou-se real. A narrativa vinda do colonizador tingiu de branco nossa história e sem escrúpulo omitiu e apagou o outro lado da moeda. O passado frágil corre para se proteger, tranca a porta e fecha as cortinas. Do ponto cego da história brotam vozes de resistência e de luta. O velho se põe a gritar, espernear, tentar abafar a inevitável mudança. Mas cada dia mais janelas vão se abrir e a diversidade vai brilhar ao sol.

terça-feira, 2 de julho de 2019

Reflexão sobre o primeiro semestre de (des)governo Bolsonaro

Seis meses após o início do mandato já é possível realizar uma análise prévia do governo federal após o encerramento desse primeiro semestre de 2019. Trata-se de uma reflexão que condiz com o que foi construído até o momento; portanto, reflete a conjuntura até o ponto atual. Cientistas políticos defendem que os primeiros meses de mandato de um novo governo são essenciais, pois o mesmo chega apoiado pela legitimidade do voto. 

Entre os diversos fatos e sem fake news, é possível começar pelo fim do horário de verão, uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro. Ou então a proposta de acabar com a tomada de três pinos.  Ainda é possível citar o fim da multa para os motoristas que circularem com criança fora da cadeirinha. Ou quem sabe ainda a mudança na CNH (Carteira Nacional de Habilitação) por meio de um PL (Projeto de Lei) que visa aumentar de 20 para 40 o número de pontos na carteira e a validade ampliada de 5 para 10 anos para o condutor brasileiro. O guru Olavo versus a ala militar. A decadência de Onyx na articulação política. E o desejo de mudar a embaixada do Brasil em Israel? Quanta relevância para o Brasil não é mesmo?


As bizarrices não acabam por aí. Quem não se lembra da polêmica do golden shower no carnaval? Teve também a declaração contrária ao turismo LGBT no país, o que contraria o próprio momento econômico do país. Especulação sobre o fim das urnas eletrônicas e saída do acordo ortográfico também não faltaram. Ou mesmo em transformar uma unidade de conservação ambiental entre Paraty e Angra dos Reis na Cancún brasileira, repleta de comércio e resorts de luxo para as oligarquias regionais. A pressão autoritária, desnecessária e pública do Levy que culminou na renúncia do mesmo. A proposta de ampliar o enquadramento de arquivos secretos, restringindo assim o acesso público, barrado em fevereiro pelo Congresso. Teve ainda a declaração feudal ao explicitar o desejo de um juiz evangélico para o STF (Supremo Tribunal Federal). Quando o executivo é fraco, o judiciário e o legislativo são levados a governar.

E o caso da Wal (servidora fantasma que vendia açaí em Angra)? E o caso Queiroz e Flávio, suspeitos de lavagem de dinheiro e organização criminosa? E as candidatas laranjas do PSL (Partido Social Liberal) em Minas Gerais? Bebbiano, Marcelo Álvaro (ministro do Turismo)? E a base militar dos EUA no Brasil? Quem aqui se lembra das pérolas da ministra Damares? Realmente esse governo possui um elenco de primeira em questão de comédia e tragédia. A derrota no caso Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) indo da Justiça para a Economia. A permissão de menores em clubes de tiro com a autorização dos pais. A polêmica indefinida do porte e posse de armas. Um verdadeiro desastre institucional do poder executivo federal. Criticar era fácil, difícil é fazer.

Bolsonaro vira chacota na Globo (Foto: Reprodução)

Balbúrdia são R$5,8 bilhões contingenciados do ensino, 3474 bolsas cortadas, 2 péssimos ministros da Educação, as diversas demissões e trocas de técnicos em menos de 6 meses. Ex-ministros da Educação, Justiça, Meio Ambiente e Ciência de diferentes partidos já lançaram manifestos contra o atual governo. Até mesmo o Tiririca, ícone do voto de protesto, disse recentemente em entrevista que se o Bolsonaro não sair do pedestal será o pior presidente da história do Brasil. O próprio ministro Sérgio Moro chamou os integrantes do MBL (Movimento Brasil Livre) de tontos. Enfim palavras sábias em meio a tanta balbúrdia governamental. 

A agenda desses primeiros meses é tão extensa que mal dá para respirar não é mesmo caro leitor? Afinal, o Brasil vive um momento magnífico. Um exemplo foram os 39 kg de cocaína na comitiva presidencial rumo ao G20. Jogada de mito focar no comércio internacional de drogas para fortalecer a economia nacional. Houve também os 117 fuzis M-16 encontrados com milicianos acusados de envolvimento na morte da vereadora Marielle e Anderson. Realmente muitas coisas estranhas rondam o presidente, a família do mesmo, integrantes do governo e a vizinhança. Um banho de sal não faz mal a ninguém. Melhor mudarem as companhias, já dizia a Bíblia: diga com quem tu andas e eu direi quem tu és. 


O excelentíssimo presidente da república das bananas isentou cidadãos dos EUA, Japão, Austrália e Canadá do visto para o Brasil sem contrapartida. Ou seja, eles podem vir de boa, mas nós não conseguimos ir sem burocracia. Vendedor internacional de bijuterias de nióbio. Ah esses comunistas viu, a culpa é sempre deles. Basta discordar do governo para receber tal alcunha, não precisa fazer nada, basta criticar o atual governo. O velho fantasma de um passado que nunca ocorreu em terras tupiniquins. Errar é humano, persistir no erro é burrice.

O único "trunfo" da atual gestão trata-se de uma contradição. Refiro-me ao acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia após 20 anos de negociações. Ora, Bolsonaro anunciava fazer acordos bilaterais e não em grupo, ameaçando reduzir a participação do Brasil no bloco sul-americano. E, subitamente, diz ser um triunfo do atual governo sendo que tal acordo vinha sendo costurado desde 1999 pelas gestões dos mais de 30 países envolvidos. Inclusive a França ameaça não assinar o tratado caso o presidente cumpra a promessa de sair do Acordo de Paris. Pelo amor. O mesmo é possível dizer sobre a Reforma da Previdência que ainda não foi aprovada. Em 30 anos como deputado Bolsonaro sempre foi contra, mas agora acata ao Chicago Boy. Fora as denúncias de parcialidade do ministro Moro em seus julgamentos e seu pacote anticrime que ainda não andou. 

Ações e omissões não faltam para ilustrar. Com um discurso de limpeza geral e incentivo à polarização, o governo Bolsonaro parece não ter saído ainda da campanha, jogando apenas para o seu nicho eleitoral que mantém a sua base. Na verdade, ao longo desse semestre não houve a tal renovação prometida. É bem verdade que restam três anos e meio, mas a dúvida sobre as propostas permanece. A única carta na manga parece ser a Reforma da Previdência. E depois? Por que alguns agentes ganham mais do que o teto previsto por lei? Onde está a Reforma Agrária? Onde está a Reforma Tributária? Por que os políticos e juízes ganham muito além do salário mínimo, fora os benefícios? Seis meses de um verdadeiro desgoverno.