domingo, 31 de julho de 2016

Reflexão sobre o consumo

Mais um mês que termina e é engraçado como a cada mês que passa a opinião pública é forçada a focar em datas comemorativas. No momento a bola da vez são as olimpíadas e o dia dos pais. Somos bombardeados por diferentes tipos de mídias a consumir o produto da data em questão. Por outro lado, é estranho andar pelas ruas e ver pessoas alheias a tudo isso, matando um leão por dia para sobreviver. Refiro-me aos moradores de rua, presentes embaixo de cada viaduto da cidade, sempre com um cão como companheiro, dividindo muitas vezes o pouco que tem. Volto a minha reflexão para a "sociedade civilizada" e vejo parentes se matando por herança, relacionamentos construídos à base de interesses e a distorção de valores, onde o ser é cada vez mais apagado pelo ter.

Lembro-me de acordar antes do sol nascer para ir ao trabalho e desde cedo encontrar pessoas revirando os lixos da cidade em busca de sobras. De um modo mais específico, lembro da cena de um pai que levava o seu filho para "passear" no mesmo carrinho em que juntava latinhas de alumínio para o sustento da família. Ao lado, um cachorro que acompanhava fielmente os seus donos. A impressão que a criança e o cachorro transmitiam era de realmente ser um passeio, apesar de tão cedo. Já no semblante do pai havia a serenidade de não assustar o filho e focar na missão do dia: obter recursos para o mantimento familiar. 

Em meio às latinhas fiquei imaginando o caminho que elas levaram até ali. Eram, em sua maioria, latas de cerveja. Portanto, suponho um churrasco ou algum outro tipo de confraternização. Imaginei o quanto aquelas mesmas pessoas já haviam reclamado de situações da vida, desejando naquele momento apenas celebrar, esquecendo assim os seus problemas cotidianos. Lembrei do descaso com o próximo em uma sociedade cujo objetivo é obter lucro e vantagens. Vivemos sob o raciocínio do utilitarismo, onde os fins justificam os meios, como diria Maquiavel. Desse modo, o fato de esquecer do próximo e até mesmo passar por cima de outras pessoas não seria o problema, desde que o objetivo capitalista seja alcançado. Traçando um paralelo ao caminho das latinhas, desde o mercado até o lixo, imaginei algo ainda mais sério: qual teria sido o caminho traçado pelo pai e pelo menino até aquele ponto?

Quantas latinhas na rua, agredindo o meio ambiente, com a desculpa de que poluindo a cidade o indivíduo estará fazendo um favor social gerando novos empregos? Enquanto isso, o Estado fecha os olhos para os seus filhos não ilustres, fechando as portas das oportunidades para os que se encontram às margens da sociedade. A distribuição de renda se concentra cada vez mais para empresas e bancos que buscam constantemente o capital selvagem. O que realmente retorna para o cidadão? São tantas as portas abertas para a criminalidade, mas por que o trabalhador perde espaço? Eles querem filas de cabeças não pensantes aguardando horas pela abertura de portões para a disputa de poucas vagas de emprego.

Com a crise essa questão tende a piorar. Mais pessoas desempregadas, menos vagas abertas...faça as contas. Com isso, os capitalistas ficam cada vez mais exigentes na sua seleção profissional e o trabalhador sofre com a redução de salário, aumento de jornada e com o risco de perder direitos trabalhistas já adquiridos. A filosofia que impera é do um contra o outro ao invés do um pelo outro. Não é difícil imaginar como será o final dessa estória. E assim, a história se repete. A cada crise econômica há um retrocesso social que só favorece os mais privilegiados que, na maioria dos casos, são aqueles que já possuem dinheiro. Afinal, quem estará apto para uma vaga de estágio que pede inglês fluente, alemão intermediário, certificado de nível avançado para ferramentas como autocad e office e, como se não bastasse, experiência na área de projetos? Todos são capazes de concorrer à vaga, mas a probabilidade está a favor dos que possuem maiores recursos financeiros, tendo em vista que não há igualdade de oportunidades. Desse modo, é possível que o menos privilegiado atenda todos os pré-requisitos e conquiste a vaga, mas para isso o mesmo terá que traçar um caminho maior e mais árduo.

Nesse sentido, o consumo é estimulado sem pensar nas consequências. Qual será o presente do pai catador de latinhas? E em outubro, qual será o presente do filho? E a cada dia há uma nova celebração para se gastar e um novo evento para consumir. O conforto é a bandeira levantada pelos capitalistas e concordo que o ser humano deve buscar constantemente a qualidade de vida. O que procuro trazer com este texto é a reflexão sobre os excessos de consumo, ou seja, aquilo que é puramente ostentação e que está acima do necessário e do conforto. É aquele consumo exagerado que de tão desnecessário chega a ferir a sociedade. Um exemplo são os vários relatos de desperdício de alimento em que muitos agem pelo impulso, gerando uma alta quantia de sobra no lixo. Errar é humano e todos nós cometemos erros, mas se não há culpa em comprar bebida alcoólica em uma quantidade monstruosa, qual o problema em doar dez reais para alguma instituição de caridade que desenvolva um trabalho sério, seja ela qual for? 

Para encerrar este texto farei uso das palavras do pensador Renato Russo: "Sempre precisei de um pouco de atenção, acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto e nesses dias tão estranhos fica a poeira se escondendo pelos cantos. Esse é o nosso mundo, o que é demais nunca é o bastante e a primeira vez é sempre a última chance. Ninguém vê onde chegamos, os assassinos estão livres, nós não estamos. Vamos sair, mas estamos sem dinheiro, os meus amigos todos estão procurando emprego. Voltamos a viver como há dez anos atrás e a cada hora que passa envelhecemos dez semanas. Vamos lá, tudo bem, eu só quero me divertir. Esquecer dessa noite, ter um lugar legal pra ir. Já entregamos o alvo e a artilharia, comparamos nossas vidas e mesmo assim não tenho pena de ninguém."

O consumo descontrolado é ostentar o que não precisa ou mesmo o que não tem. A busca pelos holofotes é predatória, passando por cima de inocentes para atingir objetivos individualistas. O consumismo é a troca do coletivo pelo individual, é a inversão de valores onde o ter é maior do que o ser. Desse modo, vivemos em um teatro de vampiros.


sábado, 16 de julho de 2016

Reflexão sobre os jogos olímpicos

Mais um atentado contra a humanidade há menos de um mês dos jogos olímpicos do Rio de Janeiro. Somado a esse fato está a falta de recursos da polícia que atuará na cidade, o estado de calamidade pública anunciado pelo governador do Rio, a violência que nunca cessa nos morros cariocas, a instabilidade política do Brasil, a tentativa de golpe militar na Turquia, a eleição norte-americana e a incerteza econômica que assola o mundo. Diante do cenário descrito é difícil ser otimista com os tais jogos.

Primeiro vamos focar a nossa reflexão para dentro de casa e questionar os legados dos jogos que virão traçando um paralelo comparativo com os jogos que já passaram pelo país. Nesse quesito temos pontos negativos como os elefantes brancos que ficaram da copa do mundo de futebol. Ainda me questiono sobre o motivo de utilizarem tantos estádios sendo que muitos não se pagam e caem no esquecimento. A submissão de uma nação diante das exigências de um ente como a FIFA mostram o descaso para com as reais necessidades do povo. De certa forma podemos dizer que obras importantes de infraestrutura e saneamento foram trocados por estádios e assentos para satisfazer os traseiros dos visitantes estrangeiros durante o evento. São várias as denúncias de desvio de verba pública para a realização das obras e também de superfaturamento de políticos e empreiteiras envolvidos na construção/reforma dos estádios, como o caso da arena de Itaquera, em São Paulo. Contrariando a lógica capitalista, os elefantes brancos dão mais prejuízo do que lucro e restam como herança de um vexame nacional dentro dos campos. O mesmo se aplica aos Jogos Pan-Americanos realizados no Rio, que talvez seja o melhor parâmetro para realizarmos uma análise sobre o evento que virá.

Não podemos nos esquecer do perigo trazido pelo mosquito Aedes Aegypti, transmissor de doenças como a dengue, a zika e a chikungunya. Vários são os atletas estrangeiros que já confirmaram a não participação nos jogos devido ao medo de contaminação. A saúde fluminense está na UTI em estado terminal. Não há leitos, não há remédios, os hospitais estão sem estrutura adequada e os médicos estão ausentes ou com o salário atrasado. O resgate do traficante Fat Family diz por si só. Como se não fosse suficiente, a cidade vive uma verdadeira guerra civil entre policiais, milicianos e traficantes. No meio de tudo está a população. A situação é tão crítica que o número de policiais mortos supera os sessenta. E quantos inocentes foram mortos de 2007 até agora? Por fim, é possível citar a greve dos professores e a calamidade da UFRJ. Portanto, é difícil encontrar qual área foi realmente beneficiada com os diversos eventos que ocorreram na cidade do Rio de Janeiro na última década.

Mas o problema não se restringe aos estádios. Desde os jogos Pan-Americanos de 2007 fala-se em ganhos para a cidade do Rio de Janeiro como melhora na segurança, mobilidade urbana e incentivo ao esporte. A pergunta que o povo brasileiro se faz, sobretudo os cariocas, é onde foram parar todos esses ganhos. O cidadão só vê aumentar o trânsito por causa das obras, o crescimento da violência urbana e os esportistas cada vez com menos apoio, muito devido à crise atual que o país vive. Foram tantos bilhões investidos de 2007 até 2016, mas não há o que comemorar. Afinal, o legado de tanto investimento é sentido por poucos, talvez apenas por aqueles que se apropriaram indevidamente de recursos públicos e privados. Portanto, o histórico não é favorável para o povo brasileiro.

Outro aspecto para refletir são os acontecimentos externos. A efervescência global parece uma panela de pressão que não para de aumentar. Os fatos mais recentes são: os atentados terroristas em Nice e Istambul e a tentativa de golpe militar na Turquia. Em ambos os casos centenas de civis foram mortos e um sentimento de medo e atinge as demais nações, mesmo que distantes geograficamente. A lacuna de tempo entre os Jogos Pan-Americanos de 2007 e os Jogos Olímpicos de 2016 é considerável, não em termos exclusivamente temporais, mas pelas mudanças sofridas pela sociedade. O terrorismo é uma ameaça muito mais presente hoje do que foi no passado para o Brasil, sobretudo com a ascensão do Estado Islâmico. A insegurança é tanta que assuntos como a saída do Reino Unido da União Europeia, ocorrida há poucas semanas, parece algo antigo e secundário.

No campo político temos a crítica da oposição francesa ao atual governo do país, vítima de vários atentados terroristas nos últimos dois anos. Também temos o perigo Trump nos EUA, que pode representar mais uma vitória para os conservadores nacionalistas. Internamente temos a questão do impeachment, assunto do meu primeiro post neste blog, e a incerteza quanto aos rumos político-econômicos do país. 

O fato de ter um evento mundial de grande porte não me anima em nada. Vejo as Olimpíadas como um grande celeiro para hasteamento de bandeiras, agravando ainda mais a questão da competição e do nacionalismo. Sou a favor do esporte, mas os esportistas de hoje representam hinos e interesses de terceiros. Os jogos só fazem aumentar a dívida do país e tudo isso apenas para ser melhor visto externamente - isso se der tudo certo, o que se torna um risco. O evento pode ser um "sucesso" tendo em vista a hospitalidade do brasileiro e o teatro armado para os dias dos jogos. Mas e depois? Qual será o grande legado das Olimpíadas para o Brasil além de um rombo nos cofres públicos? E quanto à segurança, saúde, transporte público e educação? Espero que ao final dê tudo certo, mesmo não concordando com um evento que só alimenta a política do pão e circo.

Quando a tenda é desmontada e as luzes se apagam, a realidade volta à cena e somos os palhaços no palco principal da corte.

sábado, 2 de julho de 2016

Reflexão sobre o nacionalismo

Semana passada a comunidade mundial ficou em choque com o anúncio do resultado do plebiscito que tirou o Reino Unido da União Europeia. Estima-se que o processo legal para a saída do bloco europeu leve, aproximadamente, dois anos. Apesar da dúvida instaurada sobre os rumos políticos e econômicos dessa decisão, gostaria de voltar a atenção para o crescimento do conservadorismo europeu com a ascensão dos partidos de extrema direita. Afinal, nesta semana a oposição austríaca conseguiu anular a eleição de um governo de centro-esquerda, apontando possíveis fraudes durante o processo eleitoral. As fronteiras se redesenham, apagando a prosperidade que antes houvera na região. Quanto tempo é necessário para esquecer uma guerra?

O primeiro ponto a ser dito é sobre o resultado do plebiscito britânico. Ao contrário do que muitos analistas estão tentando fazer, não trata-se de uma escolha boa ou ruim. Afinal, deve-se destacar a forma como fora conduzida a votação. É admirável o uso da democracia em forma de plebiscito. Não canso de dizer que o poder executivo e legislativo deve pertencer ao povo através da participação direta (sem a eleição de representantes), restando ao judiciário ser o outro lado da balança em um Estado de Direito através do sistema de contrapesos. Os cidadãos britânicos foram ouvidos e o mundo deve respeitar a sua decisão, quer esteja de acordo ou não. O modo pelo qual o Reino Unido deixou a União Europeia foi o mesmo que o colocou no bloco na década de 70. Os tempos são outros, as pessoas são outras e mesmo não estando de acordo é preciso aceitar. Afinal, democracia é isso: vence a maioria, estando com a razão ou não. Muitos vão dizer que a maioria é burra e por esse motivo defendo a educação como base para o Sistema Anárquico Democrático.

O segundo ponto a ser comentado é sobre as causas para este fim. Um rompimento não nasce do dia para a noite. É preciso entender que a relação entre "a ilha e o continente" tem um histórico de amor e ódio. Essas marcas se estenderam na aliança feita com o bloco, a partir da entrada da ilha ao continente. Não sou um historiador e por esse motivo não me aprofundarei nesse item. Mas vale lembrar a relação diferenciada do Reino Unido com relação aos outros países membros da União Europeia. Diferença essa refletida na moeda, sendo que o Reino Unido continuou com a libra, ao contrário dos demais que adotaram o euro como moeda única. Tal diferença também pode ser demonstrada no idioma utilizado, sendo que trata-se de um processo praticamente mundial a utilização do inglês como idioma universal. Como parte desse processo de diferenciação entre ilha e continente é possível apontar as guerras, sobretudo a Segunda Guerra Mundial, onde os ingleses foram os únicos que fizeram frente à Alemanha, em um cenário em que a Europa Ocidental já havia sido tomada pelos nazistas com os franceses dominados e a União Soviética em um acordo com Hitler de não agressão mútua. 

A nostalgia nacionalista, o desemprego e a xenofobia, que ganhou força com os movimentos migratórios da África e do Oriente Médio, podem ser apontados como os principais tópicos que levaram à saída. Nesse ponto creio que ambos não se justificam, tampouco se sustentam. É difícil entender como uma nação que colonizou todos os continentes (direta ou indiretamente) queira virar as costas para as sementes que ela mesma plantou. Isso se estende até ao Brasil, que durante a sua independência teve que pagar a dívida de Portugal com os ingleses. E quanto à exploração da Revolução Industrial, à repartição da África, à colonização de povos antes livres, ao mercantilismo desenfreado que ocasionou um capitalismo selvagem? Por que não barram também os árabes podres de ricos do petróleo? Falam tanto no roubo dos empregos. E os empregos que os britânicos supostamente "roubam" em outros países? É fácil aceitar latinos para limpar os banheiros, coletar o lixo e servir aos seus interesses. Difícil é querer dividir o poder com os demais. Não é de se estranhar essa atitude vinda de um país com expoentes conservadores, amantes da propriedade privada, da ganância pelo lucro, da submissão a uma Realeza ultrapassada. Os que votaram pela saída querem ganhar sem perder, o que me parece um sonho de uma noite de verão utópico, em alusão a Shakespeare.

O terceiro ponto trata-se das consequências que o Brexit pode gerar. O primeiro sintoma já sentido é o econômico. Isso é claro; afinal, em uma sociedade capitalista o dinheiro fala primeiro e mais alto. A gravidade está na força adquirida pelos movimentos nacionalistas e separatistas. Os setenta anos após o término da segunda Guerra Mundial parecem ter apagado as lembranças da intolerância, do choro e do medo. Como consequência, eu vejo uma agitação constante que tende a aumentar a violência global e o agravamento de conflitos e confrontos. A União Europeia é justamente o equilíbrio entre vizinhos problemáticos que sempre mediram forças entre si. A hegemonia continental é o sentimento oculto dentro de cada nação e a cada vez que a bandeira de uma nação é hasteada acima das demais, o ódio ganha passagem. A saída do Reino Unido é uma ação que pode gerar várias rachaduras, a começar pelo próprio Reino Unido. O monopólio da rainha está prestes a se fragmentar. As tensões aumentam na mesma velocidade e proporção do cheiro de sangue nos campos de batalha. As divisões ampliam e as fronteiras crescem, se estendem, se isolam. Segregação racial e religiosa que pode colocar em check os avanços humanos obtidos nas últimas décadas. Quem será o equilíbrio entre Alemanha e França? Quanto tempo é necessário para esquecer milhares de mortes?

O nacionalismo foi o mal do século passado e parece ser o mal deste também. A fraternidade entre os povos se afasta, transforma-se em ilhas. Cercas são construídas, uma nova cortina de ferro é erguida ou mesmo um novo muro de Berlim. No cálculo mundial existem mais subtrações e divisões do que adições, e a única multiplicação é a da incerteza e da descrença em dias melhores. A saída em si do Reino Unido não é o motivo central da minha preocupação, pois é perfeitamente aceitável a decisão democrática de um povo. O mundo não vai acabar com a saída dos britânicos e o bloco terá que se reinventar, o que não significa, necessariamente, algo negativo. O perigo mora no sentimento nacionalista crescente nos lares europeus. E esse sentimento se move rapidamente, atravessa oceanos e rompe continentes. Toda nação deve ser soberana e a sua autonomia deve ser respeita. Mas criar e reforçar fronteiras imaginárias não parece uma evolução humana. O regresso está na não aceitação e na vitória do terrorismo. 

Separar não parece ser a melhor forma de progredir.