Mais um mês que termina e é engraçado como a cada mês que passa a opinião pública é forçada a focar em datas comemorativas. No momento a bola da vez são as olimpíadas e o dia dos pais. Somos bombardeados por diferentes tipos de mídias a consumir o produto da data em questão. Por outro lado, é estranho andar pelas ruas e ver pessoas alheias a tudo isso, matando um leão por dia para sobreviver. Refiro-me aos moradores de rua, presentes embaixo de cada viaduto da cidade, sempre com um cão como companheiro, dividindo muitas vezes o pouco que tem. Volto a minha reflexão para a "sociedade civilizada" e vejo parentes se matando por herança, relacionamentos construídos à base de interesses e a distorção de valores, onde o ser é cada vez mais apagado pelo ter.
Lembro-me de acordar antes do sol nascer para ir ao trabalho e desde cedo encontrar pessoas revirando os lixos da cidade em busca de sobras. De um modo mais específico, lembro da cena de um pai que levava o seu filho para "passear" no mesmo carrinho em que juntava latinhas de alumínio para o sustento da família. Ao lado, um cachorro que acompanhava fielmente os seus donos. A impressão que a criança e o cachorro transmitiam era de realmente ser um passeio, apesar de tão cedo. Já no semblante do pai havia a serenidade de não assustar o filho e focar na missão do dia: obter recursos para o mantimento familiar.
Em meio às latinhas fiquei imaginando o caminho que elas levaram até ali. Eram, em sua maioria, latas de cerveja. Portanto, suponho um churrasco ou algum outro tipo de confraternização. Imaginei o quanto aquelas mesmas pessoas já haviam reclamado de situações da vida, desejando naquele momento apenas celebrar, esquecendo assim os seus problemas cotidianos. Lembrei do descaso com o próximo em uma sociedade cujo objetivo é obter lucro e vantagens. Vivemos sob o raciocínio do utilitarismo, onde os fins justificam os meios, como diria Maquiavel. Desse modo, o fato de esquecer do próximo e até mesmo passar por cima de outras pessoas não seria o problema, desde que o objetivo capitalista seja alcançado. Traçando um paralelo ao caminho das latinhas, desde o mercado até o lixo, imaginei algo ainda mais sério: qual teria sido o caminho traçado pelo pai e pelo menino até aquele ponto?
Quantas latinhas na rua, agredindo o meio ambiente, com a desculpa de que poluindo a cidade o indivíduo estará fazendo um favor social gerando novos empregos? Enquanto isso, o Estado fecha os olhos para os seus filhos não ilustres, fechando as portas das oportunidades para os que se encontram às margens da sociedade. A distribuição de renda se concentra cada vez mais para empresas e bancos que buscam constantemente o capital selvagem. O que realmente retorna para o cidadão? São tantas as portas abertas para a criminalidade, mas por que o trabalhador perde espaço? Eles querem filas de cabeças não pensantes aguardando horas pela abertura de portões para a disputa de poucas vagas de emprego.
Com a crise essa questão tende a piorar. Mais pessoas desempregadas, menos vagas abertas...faça as contas. Com isso, os capitalistas ficam cada vez mais exigentes na sua seleção profissional e o trabalhador sofre com a redução de salário, aumento de jornada e com o risco de perder direitos trabalhistas já adquiridos. A filosofia que impera é do um contra o outro ao invés do um pelo outro. Não é difícil imaginar como será o final dessa estória. E assim, a história se repete. A cada crise econômica há um retrocesso social que só favorece os mais privilegiados que, na maioria dos casos, são aqueles que já possuem dinheiro. Afinal, quem estará apto para uma vaga de estágio que pede inglês fluente, alemão intermediário, certificado de nível avançado para ferramentas como autocad e office e, como se não bastasse, experiência na área de projetos? Todos são capazes de concorrer à vaga, mas a probabilidade está a favor dos que possuem maiores recursos financeiros, tendo em vista que não há igualdade de oportunidades. Desse modo, é possível que o menos privilegiado atenda todos os pré-requisitos e conquiste a vaga, mas para isso o mesmo terá que traçar um caminho maior e mais árduo.
Nesse sentido, o consumo é estimulado sem pensar nas consequências. Qual será o presente do pai catador de latinhas? E em outubro, qual será o presente do filho? E a cada dia há uma nova celebração para se gastar e um novo evento para consumir. O conforto é a bandeira levantada pelos capitalistas e concordo que o ser humano deve buscar constantemente a qualidade de vida. O que procuro trazer com este texto é a reflexão sobre os excessos de consumo, ou seja, aquilo que é puramente ostentação e que está acima do necessário e do conforto. É aquele consumo exagerado que de tão desnecessário chega a ferir a sociedade. Um exemplo são os vários relatos de desperdício de alimento em que muitos agem pelo impulso, gerando uma alta quantia de sobra no lixo. Errar é humano e todos nós cometemos erros, mas se não há culpa em comprar bebida alcoólica em uma quantidade monstruosa, qual o problema em doar dez reais para alguma instituição de caridade que desenvolva um trabalho sério, seja ela qual for?
Para encerrar este texto farei uso das palavras do pensador Renato Russo: "Sempre precisei de um pouco de atenção, acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto e nesses dias tão estranhos fica a poeira se escondendo pelos cantos. Esse é o nosso mundo, o que é demais nunca é o bastante e a primeira vez é sempre a última chance. Ninguém vê onde chegamos, os assassinos estão livres, nós não estamos. Vamos sair, mas estamos sem dinheiro, os meus amigos todos estão procurando emprego. Voltamos a viver como há dez anos atrás e a cada hora que passa envelhecemos dez semanas. Vamos lá, tudo bem, eu só quero me divertir. Esquecer dessa noite, ter um lugar legal pra ir. Já entregamos o alvo e a artilharia, comparamos nossas vidas e mesmo assim não tenho pena de ninguém."
O consumo descontrolado é ostentar o que não precisa ou mesmo o que não tem. A busca pelos holofotes é predatória, passando por cima de inocentes para atingir objetivos individualistas. O consumismo é a troca do coletivo pelo individual, é a inversão de valores onde o ter é maior do que o ser. Desse modo, vivemos em um teatro de vampiros.
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