sábado, 2 de julho de 2016

Reflexão sobre o nacionalismo

Semana passada a comunidade mundial ficou em choque com o anúncio do resultado do plebiscito que tirou o Reino Unido da União Europeia. Estima-se que o processo legal para a saída do bloco europeu leve, aproximadamente, dois anos. Apesar da dúvida instaurada sobre os rumos políticos e econômicos dessa decisão, gostaria de voltar a atenção para o crescimento do conservadorismo europeu com a ascensão dos partidos de extrema direita. Afinal, nesta semana a oposição austríaca conseguiu anular a eleição de um governo de centro-esquerda, apontando possíveis fraudes durante o processo eleitoral. As fronteiras se redesenham, apagando a prosperidade que antes houvera na região. Quanto tempo é necessário para esquecer uma guerra?

O primeiro ponto a ser dito é sobre o resultado do plebiscito britânico. Ao contrário do que muitos analistas estão tentando fazer, não trata-se de uma escolha boa ou ruim. Afinal, deve-se destacar a forma como fora conduzida a votação. É admirável o uso da democracia em forma de plebiscito. Não canso de dizer que o poder executivo e legislativo deve pertencer ao povo através da participação direta (sem a eleição de representantes), restando ao judiciário ser o outro lado da balança em um Estado de Direito através do sistema de contrapesos. Os cidadãos britânicos foram ouvidos e o mundo deve respeitar a sua decisão, quer esteja de acordo ou não. O modo pelo qual o Reino Unido deixou a União Europeia foi o mesmo que o colocou no bloco na década de 70. Os tempos são outros, as pessoas são outras e mesmo não estando de acordo é preciso aceitar. Afinal, democracia é isso: vence a maioria, estando com a razão ou não. Muitos vão dizer que a maioria é burra e por esse motivo defendo a educação como base para o Sistema Anárquico Democrático.

O segundo ponto a ser comentado é sobre as causas para este fim. Um rompimento não nasce do dia para a noite. É preciso entender que a relação entre "a ilha e o continente" tem um histórico de amor e ódio. Essas marcas se estenderam na aliança feita com o bloco, a partir da entrada da ilha ao continente. Não sou um historiador e por esse motivo não me aprofundarei nesse item. Mas vale lembrar a relação diferenciada do Reino Unido com relação aos outros países membros da União Europeia. Diferença essa refletida na moeda, sendo que o Reino Unido continuou com a libra, ao contrário dos demais que adotaram o euro como moeda única. Tal diferença também pode ser demonstrada no idioma utilizado, sendo que trata-se de um processo praticamente mundial a utilização do inglês como idioma universal. Como parte desse processo de diferenciação entre ilha e continente é possível apontar as guerras, sobretudo a Segunda Guerra Mundial, onde os ingleses foram os únicos que fizeram frente à Alemanha, em um cenário em que a Europa Ocidental já havia sido tomada pelos nazistas com os franceses dominados e a União Soviética em um acordo com Hitler de não agressão mútua. 

A nostalgia nacionalista, o desemprego e a xenofobia, que ganhou força com os movimentos migratórios da África e do Oriente Médio, podem ser apontados como os principais tópicos que levaram à saída. Nesse ponto creio que ambos não se justificam, tampouco se sustentam. É difícil entender como uma nação que colonizou todos os continentes (direta ou indiretamente) queira virar as costas para as sementes que ela mesma plantou. Isso se estende até ao Brasil, que durante a sua independência teve que pagar a dívida de Portugal com os ingleses. E quanto à exploração da Revolução Industrial, à repartição da África, à colonização de povos antes livres, ao mercantilismo desenfreado que ocasionou um capitalismo selvagem? Por que não barram também os árabes podres de ricos do petróleo? Falam tanto no roubo dos empregos. E os empregos que os britânicos supostamente "roubam" em outros países? É fácil aceitar latinos para limpar os banheiros, coletar o lixo e servir aos seus interesses. Difícil é querer dividir o poder com os demais. Não é de se estranhar essa atitude vinda de um país com expoentes conservadores, amantes da propriedade privada, da ganância pelo lucro, da submissão a uma Realeza ultrapassada. Os que votaram pela saída querem ganhar sem perder, o que me parece um sonho de uma noite de verão utópico, em alusão a Shakespeare.

O terceiro ponto trata-se das consequências que o Brexit pode gerar. O primeiro sintoma já sentido é o econômico. Isso é claro; afinal, em uma sociedade capitalista o dinheiro fala primeiro e mais alto. A gravidade está na força adquirida pelos movimentos nacionalistas e separatistas. Os setenta anos após o término da segunda Guerra Mundial parecem ter apagado as lembranças da intolerância, do choro e do medo. Como consequência, eu vejo uma agitação constante que tende a aumentar a violência global e o agravamento de conflitos e confrontos. A União Europeia é justamente o equilíbrio entre vizinhos problemáticos que sempre mediram forças entre si. A hegemonia continental é o sentimento oculto dentro de cada nação e a cada vez que a bandeira de uma nação é hasteada acima das demais, o ódio ganha passagem. A saída do Reino Unido é uma ação que pode gerar várias rachaduras, a começar pelo próprio Reino Unido. O monopólio da rainha está prestes a se fragmentar. As tensões aumentam na mesma velocidade e proporção do cheiro de sangue nos campos de batalha. As divisões ampliam e as fronteiras crescem, se estendem, se isolam. Segregação racial e religiosa que pode colocar em check os avanços humanos obtidos nas últimas décadas. Quem será o equilíbrio entre Alemanha e França? Quanto tempo é necessário para esquecer milhares de mortes?

O nacionalismo foi o mal do século passado e parece ser o mal deste também. A fraternidade entre os povos se afasta, transforma-se em ilhas. Cercas são construídas, uma nova cortina de ferro é erguida ou mesmo um novo muro de Berlim. No cálculo mundial existem mais subtrações e divisões do que adições, e a única multiplicação é a da incerteza e da descrença em dias melhores. A saída em si do Reino Unido não é o motivo central da minha preocupação, pois é perfeitamente aceitável a decisão democrática de um povo. O mundo não vai acabar com a saída dos britânicos e o bloco terá que se reinventar, o que não significa, necessariamente, algo negativo. O perigo mora no sentimento nacionalista crescente nos lares europeus. E esse sentimento se move rapidamente, atravessa oceanos e rompe continentes. Toda nação deve ser soberana e a sua autonomia deve ser respeita. Mas criar e reforçar fronteiras imaginárias não parece uma evolução humana. O regresso está na não aceitação e na vitória do terrorismo. 

Separar não parece ser a melhor forma de progredir.

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