sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Reflexão sobre o feudalismo contemporâneo

O ano de 2017 começou quente (e não me refiro somente ao calor intenso que atinge o Brasil). No primeiro dia do ano uma rebelião em Manaus resultou na morte de 56 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, fruto da desavença entre facções criminosas rivais. Isso sem mencionar os fugitivos, que de tanto acontecer já não causam espanto, apenas medo. Na madrugada desta sexta-feira foram mais 33 mortos em um presídio situado em Boa Vista. O governo federal permanece inerte, agindo como bombeiro somente quando os casos vêm a conhecimento do grande público. O ministro da justiça parece perdido, mais preocupado com as entrevistas do que com a realidade do país.

A sociedade se vê atrás de grades, cada vez mais retraída, enquanto os criminosos vagam livres pelas ruas. A sensação é a de que retornamos ao feudalismo, escondidos atrás de muros e regidos por uma relação de "favor" entre senhor e vassalo, mendigando emprego e segurança para obter o mínimo necessário à sobrevivência. Dissertarei sobre a origem desse tipo de violência, mostrando que chegamos a tal situação devido a escolhas errôneas que se repetem ao longo da história.

Cada vez mais as pessoas buscam moradia em apartamentos ou condomínios fechados. Vigias particulares velam o sono da classe alta. O sentimento de insegurança é um dos principais temas levantados pela população durante pesquisas realizadas em ano eleitoral. O problema é que depois desses debates o tema perde sua relevância para a classe política, substituindo a atitude prometida por indiferença. E a violência é algo tão comum em nosso país que é tratada com naturalidade, sendo até objeto de sarcasmo quando em uma roda de amigos os participantes relatam suas experiências de roubo, furto, entre outros. Mas de cômico não há nada nessa realidade trágica. A incapacidade de destinar recursos para a formação e reabilitação de pessoas gera a epidemia da agressividade.

Para entendermos melhor esse contexto de retorno ao feudalismo é preciso ter claro em mente que a liberdade foi trocada pelo liberalismo. Com isso pretendo dizer que para alguém ganhar outro tem que perder, abrindo mão da coletividade para o individualismo. Desse modo, as ruas tornam-se a terra de ninguém, onde cada um é por si mesmo. Assim a exploração é deflagrada, criando classes opostas: a dos dominados e a dos dominadores. Essa divisão gera uma massificação nos extremos onde o trabalhador é concorrente do próprio trabalhador e o empresário é concorrente do próprio empresário, movidos pelo consumismo interno. Há o aburguesamento de parte da classe operária, perdendo assim o espírito revolucionário. Ou seja, a causa raiz desse problema social (violência) são as escolhas políticas e econômicas traçadas ao longo do tempo. O assistencialismo por meio do pagamento de um salário não traz resultados. É necessário um acompanhamento nas condições de vida desde o nascimento do indivíduo, proporcionando oportunidades boas e iguais em saúde e ensino. 

Um dos conceitos filosóficos de política descreve que a mesma procura o bem comum da cidade e que o bem é pautado por ética e virtudes, como podemos constatar nas obras de Aristóteles. Entretanto, os vícios pessoais levam a população e os governantes para um caminho em que um homem seria uma ilha por si só suficiente, o que é impossível tendo em vista a natureza social da humanidade. O contrato social proposto no final da Idade Média é falho e nunca foi concretizado de fato pelas partes envolvidas, sendo muitas vezes desviado para interesses supostamente nacionais e unilaterais. Portanto, é possível concluir que o egoísmo nunca fora superado.

O mal da violência também é econômico, pois este é um sistema que organiza a produção, distribuição e consumo, fazendo escolhas diante da escassez dos recursos. Ou seja, foram feitas as escolhas erradas (basta ver o mundo tal como está hoje). Não acredito na perfeição, mas é possível fazer políticas públicas eficazes que reduzam a violência. Esta é fruto da desigualdade social, consequência da má distribuição de renda e, sobretudo, desigualdade de oportunidades. Aí reside o fator econômico. Já o fator político está na falta de atenção ao crescimento exacerbado da população e da corrupção, sendo que o Estado é incapaz de oferecer o mínimo de saúde, educação, oportunidade de emprego e moradia de qualidade. 

Como última forma de se proteger diante do desamparo social, as pessoas se refugiam dentro de casa, com câmeras, seguros residenciais, cães, muros altos, grades em todo o perímetro, cacos de vidro, armas e o que mais estiver ao seu alcance. Não há paz nos campos e nas cidades. Vivemos reféns da incerteza e da criminalidade. Desse modo regressamos ao feudalismo medieval: devendo tributos aos senhores (bancos e governos), buscando proteção em fortalezas de concreto e desiludidos com a condição humana, acreditando na imposição dogmática das religiões como sendo a única alternativa possível de salvação.


4 comentários:

  1. É, a violência é cruel. Ja vi gente sendo assaltada enquanto entregava currículo em agência de emprego.

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  2. É, a violência é cruel. Ja vi gente sendo assaltada enquanto entregava currículo em agência de emprego.

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  3. Nossas leis são falhas e dão breja para acontecimentos como estes.

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