Uma semana após a eleição presidencial francesa a União Europeia e o Ocidente respiram aliviados com a vitória do candidato centrista Emmanuel Macron. Muitos especialistas apontavam tal eleição como sendo o ponto de inflexão para o futuro do bloco econômico europeu que de símbolo de agrupamento liberal-democrático passou a ser incerteza para o destino da globalização com viés de extrema-direita. Baseados em uma visão focada no "topo da pirâmide desenvolvimentista mundial", a eleição na França, juntamente ao Brexit e às eleições estadunidenses, poderia representar um divisor de águas para o mundo tal como conhecemos nos últimos anos.
Primeiro é preciso esclarecer o sistema eleitoral francês, que não se difere muito do sistema brasileiro. O presidente é eleito para um mandato de cinco anos em um sistema de dois turnos. Se nenhum dos candidatos obtiver a maioria absoluta no primeiro turno, um segundo turno é realizado duas semanas após o primeiro, onde os dois candidatos mais votados vão para uma disputa final. Foi o que ocorreu nos dias 23 de abril e 7 de maio, respectivamente.
Sobre os números ditos principais: Macron sagrou-se eleito com uma vitória expressiva no segundo turno de 66,1%, o que representa quase 21 milhões de votos; enquanto que sua oponente, a tão famosa Marine Le Pen, obteve apenas 33,9% da preferência, o que representa mais de 10 milhões de votos. Após um primeiro turno apertado e repleto de dúvidas cuja diferença entre os dois candidatos foi menor que 3% (com pouco menos de 1 milhão de votos a mais para Macron), embolados com outros candidatos como François Fillon (com 20% de votos) e Jean-Luc Mélenchon (com 19,6% dos votos), a superioridade de Macron tanto nos debates como na opinião pública francesa e mundial é notória, diferentemente do que ocorrera na eleição presidencial estadunidense, onde a candidata derrota obteve mais votos do que o presidente eleito.
Entretanto, é fácil se enganar com uma análise superficial quantitativa com foco apenas no segundo turno. A vantagem de Macron deve-se muito ao apoio dos principais adversários do primeiro turno como Filon e Hamon e mesmo àqueles que não declararam apoio a nenhum dos candidatos, o que favoreceu o candidato do En Marche! pela conjuntura dos fatos. À Le Pen coube o apoio solitário de Nicolas Dupont-Aignan, o que demonstrou ser insuficiente no resultado final. Além disso, os próprios eleitores de Le Pen tinham receio em admitir publicamente a sua preferência, devido à pressão da mídia e da opinião pública contra a candidata pelos seus discursos de protecionismo econômico, isolacionismo político e preconceito. Desse modo, a vantagem de Macron deu-se sobretudo pelo não voto em Le Pen do que propriamente pela preferência de voto nele. Prova disso foram os protestos no dia seguinte ao segundo turno, mostrando uma França insatisfeita com a classe política e suas políticas públicas, assim como no Brasil.
Sobre os números ditos secundários: no segundo turno especificamente, houve 11, 47% de votos brancos ou nulos e 25,44% de abstenção, o que resulta em um total com mais de 16 milhões de não votos. Tal desinteresse e insatisfação crescentes com a política não é particularidade francesa, sendo demonstrado também por números tanto nas eleições brasileiras quanto nas eleições estadunidenses. Assim como no Brasil, a França encontra-se politicamente dividida, sobretudo pela imigração, crise econômica, desemprego, terrorismo e descrédito no establishment político. Talvez tenha sido esse sentimento de renovação e mudança que tenha levado Macron ao poder, sendo o mais jovem presidente francês eleito. Ironicamente o mesmo representa o status quo, tanto ameaçado pela campanha de Marine Le Pen.
O alinhamento político de Macron é de centro-direita, o que caracteriza por si só uma derrota para a esquerda do agora ex-presidente François Hollande que nem mesmo tentou a reeleição. Quando falamos em política falamos em poder. Ou seja, para um presidente não tentar a reeleição e seu partido não chegar ao segundo turno é um sinal de alerta. Inclusive Macron já nomeou o primeiro-ministro Édouard Philippe que se autodenomina de direita. Entretanto, não creio em mudanças drásticas nem no rumo da França, nem no sistema internacional no que depender dos franceses, o que de certa forma dá um alívio para o clima que se formou no mundo com a ascensão do radicalismo da extrema-direita, o que trouxe um certo ar de tensão pré-guerra no mesmo molde que foi visto nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial.
Há de se destacar o que está escondido nas entrelinhas, além da frieza dos números: mesmo com a derrota para a presidência, o partido Front National conseguiu um resultado acima do que era esperado há tempos atrás, superando partidos tradicionais como os socialistas e republicanos. Desse modo, é possível dizer que a Frente Nacional perdeu o jogo, mas não o campeonato, tendo-se em vista que a política é feita muito além de um cargo presidencial. Os bastidores e os detalhes farão a diferença para o que virá. Portanto, é preciso analisar não só o executivo, mas também o legislativo e os movimentos sociais em geral. Em uma análise à distância, creio que Macron encontrará uma forte resistência, pois seu posicionamento de centro pode tanto servir de união (como o mesmo disse em sua campanha) quanto motivo de resistência dos que estão à direita e à esquerda, casos seus interesses não sejam atendidos. Assim sendo, será difícil agradar gregos e troianos no jogo político francês, mas acho que o governo de Macron poderá fazer essa ponte. Para isso, o mesmo terá que dar respostas rápidas e ter escolhas coerentes para o desenvolvimento do país.
Os franceses possuem uma característica social forte, com um grande teor humanístico. Tal característica é fácil de notar nos grandes pensadores franceses ao longo da história, diferentemente dos ingleses e estadunidenses que tendem a agir por impulso influenciados predominantemente pela economia, motivo pelo qual digo que surpresa seria uma vitória de Marine Le Pen. Porém, as sociedades estão em constante movimentação de modo que me atrevo a dizer que mesmo com a derrota a extrema-direita francesa sai dessa eleição mais fortalecida do que a eleição anterior, o que demonstra crescimento e participação para os anos que virão. Tudo dependerá das políticas adotadas desde já, internamente e externamente, e suas consequências tanto no cenário local quanto internacional.
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