Sete de setembro, dia da independência nacional. Data esta repleta de símbolos e personagens que tentam reforçar o caráter patriótico, assim como a proclamação da república e tantos outros fatos que nos são apresentados de forma distorcida por meio dos livros de história nos tempos de escola. A realidade é que o brasileiro não participa ativamente das mudanças decisórias do país e quando participa geralmente trata-se de uma reação à uma ação invocada por grupos com interesses diversos e com segundas intenções.
Como exemplo é possível citar a própria independência com o grito do Ipiranga e o quadro icônico de Pedro Américo, repleto de figuras idealizadas para formatar um pensamento que não condiz com os fatos, onde na verdade o povo assistia aos acontecimentos (tanto na independência quanto na proclamação) sem entender o que se travava, imaginando ser algum tipo de desfile ou algo do gênero. Por de trás de tais movimentos, havia o interesse das elites (militares, proprietários de terras, etc) na obtenção do poder para impor os seus costumes, construindo assim o paradigma do padrão brasileiro.
A questão que recai em datas como estas é: será que somos realmente um povo livre e independente? Mais além, será que o Estado brasileiro é livre e independente dos demais no cenário internacional? Obviamente que em um Estado de direito seja impossível a total e irrestrita liberdade, pois, desse modo, haveria anomia. Entretanto, o que se pode constatar são pessoas e instituições dependentes, agindo de forma não autônoma. É possível usar nesta argumentação o conceito psicológico do determinismo, no qual as pessoas agem não de acordo com a própria vontade e sim levadas a acontecimentos que as marcam e as moldam ao longo da vida. Como dito no início, utilizando-se de princípios físicos, as ações são na verdade reações à ações anteriores. Ou ainda, utilizando um conceito religioso, seria a não existência do livre-arbítrio como o conhecemos ao dizer que os atos são 100% de acordo com o desejo do indivíduo, decidindo de forma isenta às motivações externas.
"Nenhum homem é um ilha, completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo" como diria o poeta John Donne. Entretanto, o que pretendo demonstrar aqui não é a questão da fraternidade, tão fundamental para a evolução humana, mas sim a dependência forçada, não desejada. Em outras palavras, pretendo demonstrar a existência da falta de independência entre os três poderes e a falta de autonomia nas escolhas das pessoas de um modo amplo e genérico.
Podemos começar pela dependência econômica. Esta pode ser desde relações trabalhistas abusivas para o sustento da família quanto relação de submissão entre pessoas como, por exemplo marido e mulher, para a sobrevivência de uma das partes mediante condições financeiras ou mesmo de violência. O próprio direito de ir e vir é tratado de forma diferente pela sociedade onde, no fundo, questões como cor, credo e classe social são fatores diretos para a obtenção (ou não) de tais direitos. A forma como um jovem de bairro nobre é tratado difere-se do modo de como um jovem da periferia é visto pelos demais. Logicamente que na complexidade social existem diversas questões envolvidas, mas o viés econômico é fator fundamental para tal entendimento.
Desse modo, a qualidade de vida, a vontade ou o próprio livre-arbítrio (se preferir) são deixados de lado para fazer o que precisa ser feito e não aquilo que se queira fazer. Não sou adepto do pensamento popular em que diz que dinheiro traz felicidade, mas como dito antes, é um fator determinante para a realização de sonhos e construção da autonomia e independência do cidadão. Questões como planejamento familiar e financeiros são essenciais para atingir uma certa estabilidade social. Mas quando vemos, segundo dados do IBGE, que cerca de 1% da população rica brasileira concentra o mesmo volume de rendimentos que os 50% mais pobres, fica difícil acreditar em liberdade, igualdade e fraternidade.
Na esfera política tal constatação não se difere. As instituições estão cada vez mais sendo influenciadas por outras, gerando até mal-estar entre os três poderes. Basta acompanhar o noticiário nacional para verificar que políticos tentam influenciar os rumos da Lava Jato, assim como juízes tentam influenciar os rumos políticos, afogando por completo o conceito de tripartição dos poderes de Montesquieu. Há uma certa paralisia da autonomia entre os poderes, gerando ataques de todos os lados, inclusive em instituições que deveriam agir de forma complementar, como o MP e a PF, que certas vezes disputam o protagonismo.
O pior é saber que o problema não restringe-se ao "baixo clero" dos três poderes. É juiz ganhando mais do que o teto estabelecido na Constituição, é Temer comprando o voto de parlamentares, é Gilmar Mendes soltando corruptos, é o Congresso contrariando decisão do Supremo, enfim, um verdadeiro caos. Aqueles que deveriam ser exemplos tornam-se vergonha nacional, envolvidos em disputas particulares entre si. Desse modo, o executivo, legislativo e judiciário perdem sua independência e estima social, caindo em descrédito diante da opinião pública. E diante de tantos escândalos e conflitos fica difícil imaginar que pseudo-reformas vão realmente mudar o país. O cerne do problema são as pessoas que integram as instituições e os privilégios que possuem, diferenciando-as das demais pessoas.
Qual a necessidade do presidente da república indicar os ministros do STF, se este por sua vez deveria ser uma instituição autônoma e defensora da Constituição? Qual a necessidade de um Congresso bicameral na esfera federal? Por que o salário de políticos e juízos não condizem com a realidade nacional? Por que certos juízes ganham acima de cinquenta mil reais sendo que o salário mínimo não chega à mil reais por mês? Há uma diferença enorme e enquanto esta não for sanada os problemas que aí estão continuarão.
No âmbito internacional o Brasil defende sua grande capacidade futurística. Entretanto, o que se nota com o passar do tempo é uma extrema dependência de outros países, sobretudo dos EUA. Historicamente, o Brasil construiu diversos acordos com os estadunidenses em busca de esmolas para a indústria de base e infra para o desenvolvimento. Essa dependência é explícita, pagando juros abusivos para os estrangeiros enquanto brasileiros carecem de estruturas básicas. Já fomos reféns de Portugal, da Inglaterra e continuamos sendo dos EUA e, em certo grau, da China. A predominância do Brasil como potência internacional ainda não aconteceu e enquanto continuar em processo de empréstimo, dívidas e submissão seremos os mesmos.
Como solução defendo investimento maciço no tripé de sustentação social (ensino, saúde e segurança), com foco para o ensino. Somente com a educação e participação da população paradigmas poderão ser quebrados. Com isso, defendo a extinção do legislativo e do executivo, restando deste último apenas autarquias e instituições para a administração pública. O judiciário permaneceria como um defensor constitucional, agindo de acordo com as leis e não com o próprio interesse. Assim, haveria democracia participativa e deliberativa com amplo debate sobre as questões futuras. Não haveria gastos com políticos ou eleições, podendo ampliar o quadro das instituições, sobretudo regulatórias, para acompanhamento das políticas públicas. É claro que para que essa anarquia democrática social aconteça muita coisa deve mudar. Não adianta discutirmos sobre questões pequenas quando na verdade o problema é sistêmico.
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