terça-feira, 26 de setembro de 2017

Reflexão sobre a eleição parlamentar na Alemanha

É bem verdade que a eleição alemã deste último domingo (24/09/2017) não repercutiu tão intensamente em terras tupiniquins como fora na eleição estadunidense e francesa. Tal quadro secundário deve-se muito mais às influências desses dois países para com o Brasil do que propriamente uma mera figuração da Alemanha no cenário internacional (muito pelo contrário). O relevante nos fatos ocorridos é reforçar a argumentação que tem sido construída frequentemente neste blog: a ascensão da direita ultranacionalista. 

Primeiro é importante entender o sistema de votação alemão. Ao contrário do Brasil (como já mencionado em posts anteriores), a Alemanha utiliza um sistema que reúne o proporcional e o majoritário, conhecido como sistema distrital misto. O eleitor tem direito a dois votos: (a) um destina-se ao candidato escolhido pelo partido, vencendo o mais votado; (b) o outro voto é direcionado para a legenda cujo total de cadeiras serão divididas pelo total de votos válidos (o famoso quociente eleitoral). 

Tal sistema é tido como exemplo mundo afora, presente inclusive no Brasil em debates sobre a reforma política (que até agora nunca ocorreu de fato). Entretanto, um fato curioso a ser observado é que o mito atual do modelo alemão não fora sempre assim: até os anos 80 poucos países utilizavam-no (talvez ainda pela polarização da Guerra Fria e das ditaduras vigentes). O cenário passou a mudar entre o final do século passado e início do século XXI quando países como Rússia, Japão, Itália, Hungria, Coreia do Sul, Croácia, Nova Zelândia, entre outros, passaram a adotá-lo. O que os difere é a porcentagem destinado para as cadeiras majoritárias e proporcionais (no caso alemão há o equilíbrio de 50% para cada conforme ilustrado na figura abaixo). O voto não é obrigatório.

Resultado de imagem para eleições alemanha
Fonte: http://www.dw.com/pt-br/como-funcionam-as-elei%C3%A7%C3%B5es-na-alemanha/a-37636866

Na eleição específica desta semana pode-se apontar dois destaques principais que se confirmaram e algumas curiosidades. Começando pelos destaques: (a) Angela Merkel foi reeleita para o seu quarto mandato; (b) a extrema direita voltou ao parlamento alemão de forma expressiva pela primeira vez desde a queda do nazismo. A participação dos cidadãos superou a eleição passada, atingindo cerca de 3/4 dos eleitores, contrariando assim a tendência de apatia social para com a política, muito presente no Brasil por meio de votos brancos, nulos e ausência.

Merkel, por meio da aliança entre CDU (União Democrática Cristã) e CSU (União Social Cristã), obteve novamente a vitória, mas desta vez com alguns alertas. Foram 33% de votos para o CDU/CSU, o que representou uma perda de 8,5 pontos percentuais se comparado com a última eleição de 2013, sendo este o pior resultado da legenda. No segundo lugar ficou o SPD (Partido Social Democrata) com 20,5% dos votos, o que representou uma queda de 5,2 pontos percentuais se comparado com a última eleição. Para este último o resultado fora tão amargo que após os resultados os mesmos anunciaram um possível rompimento no apoio para a chanceler federal, o que dificultará a vida de Merkel no que tange a governabilidade. A mesma já anunciou que pretende realizar alianças para que o seu governo tenha estabilidade. De qualquer modo os números são claros: foi o pior resultado para ambos desde o pós-guerra.

Já a terceira força no parlamento fora a AfD (Alternativa para Alemanha) que obteve 12,6% dos votos, devendo ocupar cerca de 90 cadeiras no Bundestag (parlamento alemão). A surpresa dos líderes do partido foi tanta que a festa feita após a divulgação dos resultados foi imensa. O prognóstico se cumpriu, mas foi melhor do que o esperado por eles. Os mesmos afirmaram que chegaram no Bundestag para ficar. O partido que nasceu há cerca de 4 anos com um discurso nacionalista, rejeitando uma possível ajuda financeira alemã para a Grécia, cresceu assustadoramente em pouco tempo. Hoje, com um discurso anti-imigratório e islamofóbico, afirmam que irão atuar pelo real interesse germânico. 

Alexander Gauland, um dos líderes do partido, disse: "vamos recuperar o nosso país e o nosso povo". Discurso muito parecido com o utilizado por Trump, Le Pen e demais figuras políticas nacionalistas espalhadas pelo globo. O ultranacionalismo traz de volta o conceito de protecionismo, fechamento de fronteiras, hostilidade mútua onde o outro é o inimigo, o diferente é o errado. Ao invés de buscarem o equilíbrio eles buscam a ponta, o extremo. Como já dito anteriormente neste sítio virtual, o preconceito da extrema direita cresce e se desenvolve como uma epidemia, sobretudo nos países desenvolvidos. O pior é ver tal visão eurocentrista invadir territórios alheios, contribuindo para a elevação nas ameaças e aumentado a probabilidade de conflitos diplomáticos e bélicos. Falar é fácil, quero ver se tais extremistas darão a cara à tapa, ou melhor, o corpo à tiro em uma eventual guerra.

Infografía: El avance de la derecha populista en Europa | Statista
Fonte: https://es.statista.com/grafico/5724/el-avance-de-la-derecha-populista-en-europa/

Conforme é possível notar no mapa acima, a ascensão da extrema direita parte justamente daqueles que colonizaram e exploraram o restante do mundo, impondo os seus hábitos e costumes para os povos nativos, utilizando-se da escravidão. A crise migratória é um assunto extremamente relevante e complexo, devendo ser analisado em uma reflexão à parte; entretanto, é preciso citar que a interferência europeia nos demais continentes é fator que contribuiu para a atual estruturação mundial. É uma atitude muito egocêntrica se autonomear como país desenvolvido às custas da exploração alheia e depois simplesmente fechar as portas, mesmo pregando os direitos universais do ser humano.

O AfD nega ter uma ideologia nazista, buscando se distanciar da figura de Hitler. Mesmo assim comparações são feitas; afinal, qualquer semelhança não é mera coincidência. E assim avança o mundo, para um extremo isolacionista em que todos são perdedores, onde o medo passa a figurar cada vez mais na rotina do cidadão. A falta de informação é tanta que recentemente houve uma discussão em redes sociais tentando associar o movimento nazifascista como algo de esquerda (talvez por uma análise errônea e simplista da nomenclatura nazista). Creio que além da epidemia modista ultranacionalista que configura o atual cenário há também uma epidemia de burrice. As massas caminham para a extrema direita, mas como a história já nos mostrou, nem sempre as massas estão certas (quase nunca).

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