sexta-feira, 6 de abril de 2018

Reflexão sobre a prisão em segunda instância

O tema da semana é...advinha. Não tem como fugir diante da exposição explícita dos fatos. Tal situação apenas confirma o que fora escrito neste blog nos últimos posts sobre a polarização política e clivagem social. Proponho aqui esquecer as paixões sobre as personagens envolvidas no caso e refletir sobre o tema. Vamos esquecer os nomes e analisar a conjuntura até aqui para, posteriormente, obtermos uma conclusão razoável e lógica.

Pois bem, comecemos no conceito sobre o posicionamento das leis dentro da esfera jurídica. Conforme já comentado aqui, um certo Hans Kelsen formulou uma pirâmide sobre o tema e criou paradigmas dentro da justiça mundial. Se é uma pirâmide então tem-se uma hierarquização cuja base está submetida ao ápice. Na famosa pirâmide kelseniana do direito encontra-se em seu topo a Constituição Federal. 

Em seguida tem-se as demais leis. De um modo genérico e didático para não nos estendermos nesse ponto segue: Tratados Internacionais sobre os Direitos Humanos, Emendas Constitucionais, Leis Complementares, Leis Ordinárias, Medidas Provisórias, Decretos, Resoluções, Portarias e por aí vai até chegarmos nas normas internas das empresas e condomínios cujo objetivo é sanar as divergências e estabelecer um ordenamento e convívio social. Enfim, este não é foco aqui hoje. O fato é que a lei maior de uma nação é a Constituição Federal, no caso brasileiro, promulgada por parlamentares eleitos que formaram a constituinte. 

Supremo Tribunal Federal se reúne para discutir prisão após condenação em 2ª instância
Fonte: https://www.portalsbn.com.br/noticia/supremo-tribunal-federal-se-reune-para-discutir-prisao-apos-condenacao-em-2-instancia&app_id=1708726265823765

As demais leis devem ser complementares, mas não opostas à CF de 1988. Dito isso, vamos ao que consta no artigo 5º da Carta Magna vigente (teoricamente) no país sobre o tema: "LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". As leis ordinárias também exigem o trânsito em julgado, além de ampla jurisprudência a seu favor. Ora, tendo-se em vista que no Brasil existem quatro instâncias e que o trânsito em julgado acontece somente após se esgotarem todos os recursos, então fica claro que aqui já há uma divergência no âmbito jurídico. A sentença que vai contra o que está escrito pode ser considerada inconstitucional.

O segundo ponto a ser agregado à reflexão é sobre o papel do Poder Judiciário. É sabido que o Estado brasileiro se divide em três poderes independentes em que cada um possui suas próprias atribuições, não devendo interferir na esfera do poder alheio, mas podendo atuar de forma conjunta. De forma bem resumida tem-se: (a) o Poder Executivo que administra o governo, tomando as ações necessárias para a manutenção da coisa pública; (b) o Poder Legislativo que se encarrega de criar e aprovar leis, além de fiscalizar as ações do Poder Executivo; (c) por fim tem-se o Poder Judiciário cujo principal papel é ser o guardião da Constituição Federal, aplicando e garantindo o cumprimento das leis.

Nota-se claramente após a leitura do parágrafo acima que a responsabilidade de criar e alterar leis cabe ao Poder Legislativo, cabendo ao Poder Judiciário fazer valer o que fora definido pelo Congresso Nacional. Tal detalhe ganha peso maior devido ao fato do Congresso ser composto por pessoas eleitas pela população, sendo, portanto, os representantes dos cidadãos dentro do âmbito político do país. Vale ainda ressaltar que as personas do Judiciário não são eleitas. Portanto, não representam ninguém além de si mesmas. Isso vale para o Supremo Tribunal Federal cujos ministros são escolhidos por indicação e não por voto ou concurso público.

Fonte: https://e-dou.com.br/2017/03/entenda-como-funciona-o-stf-supremo-tribunal-federal/

Portanto, o ambiente natural, legal e legítimo para modificar algum ponto da Constituição Federal dentro de uma república tida como democrática de direito é o Congresso Nacional e não o STF. Ora, aqui tem-se outra divergência: a decisão de seis ministros em autorizar a condenação em segunda instância sobrepõe-se ao que fora estabelecido pelos parlamentares eleitos pela população para desempenhar tal função. Sendo assim, tem-se uma nítida politização do judiciário indo contra o contrato social estabelecido pelo país e rasgando a Constituição, pilar fundamental do direito. 

Desse modo, a Suprema Corte do Brasil abre precedente para que a justiça seja feita pelas próprias mãos. Afinal, não importa o que esteja escrito na lei, pois eles atuam de acordo com a própria vontade e opinião. Parcialidade maior não há. Eu, particularmente, creio que quatro instâncias torna o processo longo e moroso, devendo de fato ser reduzido para três ou duas instâncias. Não sou especialista em direito, tampouco possuo tal pretensão. Entretanto, as regras devem ser respeitadas de acordo com o jogo.

Para dar um exemplo simples é possível traçar um paralelo com o futebol: suponha que o seu time perdeu o primeiro jogo de uma decisão na casa do adversário por 1x0 e que a regra seja vencer por um gol para ir aos pênaltis ou com dois gols de diferença para se sagrar campeão; suponhamos agora que no meio do segundo tempo do segundo jogo no estádio do seu time, com a bola rolando e com o placar de 2x2, subitamente as regras mudem e passe a valer o gol fora de casa com peso 2. Desse modo, mesmo que o seu time faça mais dois gols, o placar de 4x2 a favor do seu time já não será suficiente para ser campeão, pois as regras mudaram no meio do jogo.  

Fonte: http://robertoalmeidacsc.blogspot.com.br/2017/11/auto-retrato-da-imparcialidade-da.html

Colocaram a carroça na frente dos burros em um processo de tal exposição e celeridade que nunca se viu igual. Mesmo sendo favorável à prisão em segunda instância, antes é preciso alterar as regras que aí estão, pois caso contrário gerará o descrédito das leis de um país que já possui o hábito de não seguir o que fora estabelecido. O correto seria seguir as normas e não ter a cultura de tal lei pegar e outra não pegar. O culpado deve ser punido e quanto a isso não há discordância. 

Há uma arbitrariedade em curso, tendendo ao autoritarismo cujo intuito é compensar a morosidade e a impunidade em um caso específico. Tipicamente característico da oligarquia demagoga vigente, jogando o espetáculo do povo para o povo. Entretendo as massas com um grande teatro em praça pública para que as outras personagens passem impunes. Já alertava Platão sobre os vícios e desvios que um eventual modelo democrático poderia acarretar quando o mesmo defendia a aristocracia. Aí estão os sofistas e demagogos caro Platão. O problema é que os riscos desse teatro são elevados, podendo agravar a situação caótica na qual o Brasil já se encontra. 

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