As pessoas precisam de algo para acreditar, alguém em quem confiar, mesmo racionalmente sabendo que dificilmente suas expectativas serão atendidas. Um protetor, um salvador, um patriota, um ditador, um guerreiro, um profeta: não importa a nomenclatura ou crença, desde que suas projeções sejam minimamente atendidas. Cobertos de uma moralidade não praticante, palavras são tão perigosas quanto atos. Em momentos de incertezas e instabilidade global, o objetivo é a própria sobrevivência por meio da segurança. Qual segurança? Econômica, social, política, familiar, individual? Todas as fichas em quem acabar com todo e qualquer crime, independentemente se isso tenha um alto custo. Ganhos e perdas, conforme manda a vulnerabilidade.
Segundo a mitologia, Leviatã é um monstro marinho primitivo mencionado na Bíblia. Criatura aterrorizante, de grandes proporções representando o medo, o caos, o pecado. Evitá-lo era necessário para qualquer navegante na antiguidade. Somos os navegantes pós-modernos e o Leviatã é o monstro que assola o território nacional. É a violência que derrama sangue pelas ruas e faz com que a demanda por segurança seja fator determinante, mesmo que para isso qualquer coisa seja válida. É quando a emoção negativa vence a razão. Um novo carnaval a cada quatro anos com poucas boas opções e más escolhas para governantes, seja no âmbito municipal, estadual ou nacional. A oligarquia brasileira teima em não ser poliarquia, do mesmo modo que a poliarquia europeia teima em não ser democracia.
Fonte: https://www.periodicovas.com/la-otra-historia-de-buenos-aires-35/
Para Thomas Hobbes, os seres humanos são egoístas por natureza e para combater a violência inerente à humanidade seria necessário um contrato social entre as pessoas para a criação de um Estado poderoso e absolutista, denominado por ele de Leviatã. Em seu livro escrito em 1651, o Leviatã político é necessário para a manutenção da ordem (discurso de tão antigo que soa recente). Assim sendo, a sociedade deveria abrir mão de sua liberdade e igualdade para a construção de um ente acima de tudo e de todos.
No Leviatã de Hobbes, o primordial para o Estado é o provimento de segurança. O Estado, para ele, deveria ser forte, intenso, agressivo, influenciador, dominante de tal modo que punisse severamente qualquer desvio, mantendo assim a segurança. É necessário refletir aqui que a defesa por segurança representa muitas vezes a ação da violência ou mesmo a guerra em questões referentes às relações internacionais. Portanto, a suposta manutenção da ordem não é sinônimo de paz. O objetivo primeiro do contrato social seria a constituição de um soberano com plenos poderes, superior aos demais, pois assim este poderia comandar a todos sem a intervenção da sociedade e de outros poderes que poderiam causar algum tipo de inconveniência e levar ao caos.
Fonte: https://www.oldbookillustrations.com/illustrations/victim-feather/
Poder centralizado, ausência de legislativo, ausência de judiciário, falta de participação ativa da população; discurso muito familiar. Falta contrapontos para equilibrar um sistema prestes a falir. Segundo o psicólogo Stanley Milgram, os humanos são socializados para serem obedientes, obrigados a acatar os comandos de uma figura autoritária, mesmo quando entram em conflito com valores morais. Consequentemente, as pessoas agem conforme as ordens que recebem, mantendo as relações autoritárias. Em alusão ao pensamento de Zygmunt Bauman, tais personagens trocam florestas por jardins para possuírem total controle sobre as flores, agindo como verdadeiros jardineiros na escolha de quem deve morrer e quem devem receber a luz do sol.
Obviamente que a sociedade brasileira anseia por segurança e paz, mas focar na primazia coercitiva do Estado para punir violência com violência sem qualquer ação preventiva e de inteligência demonstra apenas falácia. No âmbito administrativo existem planos emergenciais (corretivos) e planos a longo prazo (preventivos). Chumbo trocado em nome de Deus não parece ser a melhor alternativa tanto na esfera política quanto religiosa. Em tempos cujos cidadãos são movidos pela angústia o resultado futuro é imprevisível.
Fonte: http://www.filosofianaescola.com.br/2012/05/leviata-videoanimacao.html
O Leviatã representa a dominação em vez do governo. O antipolítico não quer fiscalização, leis, controles ou qualquer outra forma de monitoramento. É o velho disfarçado de novo, o lobo em pele de cordeiro. Vencer se tornou mais importante do que propriamente governar. Falta um cobertor que cubra todos os filhos da nação em dias difíceis e frios porque até agora só é perceptível a separação. Irmãos que matam irmãos em um ciclo sem fim. Ao invés de união usam armas como solução. Seja como for, parece que o Brasil (sempre tido como o país do futuro) gastou a sua cota do amanhã possuindo apenas uma frágil reserva escassa.
Relações gastas, sem confiança ou empatia. O Leviatã são os outros ou nós mesmos? A sociedade cada vez mais terceirizou os seus problemas jogando tudo para o Estado e para Deus. A crise só reforçou a liquidez presente em que falta forma. Cada um por si contra todos, defendendo os próprios interesses. Falam em consenso da opinião pública. Quão pública que não passa da somatória de interesses individuais? Qual consenso ou opinião se nem debate tem? Apenas uma forte propaganda para as massas e ataques. O brasileiro passou a ser refém das próprias práticas, mais consumidores do que produtores. Uma verdadeira Torre de Babel em que cada um fala uma língua, idiomas diferentes dentro da própria casa. Quem vai comprar? Quem vai pagar a conta?
O texto me fez refletir e ler mais de uma vez o mesmo com o objetivo de poder aprecia-lo novamente, algo realmente raro nos dias de hoje. Excelente.
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