domingo, 24 de fevereiro de 2019

Reflexão sobre a tensão na Venezuela

Quando o desemprego e a fome assolam uma nação é sinal de que o governo local está desgovernado. Quando há conflito nas ruas, compatriotas divididos lutando à beira do abismo é sinal de que o bom senso ficou para trás. O ser humano nasce livre; portanto, não deve se aprisionar em ideias contrárias à própria essência. Antes de tudo é necessário pensar na prioridade, pensar nas pessoas, independentemente da nacionalidade. A questão venezuelana vai muito além das fronteiras.

Desde o falecimento de Hugo Chávez em 2013, a Venezuela gradualmente sofre com a crise econômica e política. A consequência foi o endurecimento do regime sob o comando de Nicolás Maduro devido à falta de negociação, traquejo político e até mesmo de carisma perante o povo venezuelano. O apoio das Forças Armadas que levaram Chávez ao poder não é o mesmo para com Maduro e já apresenta sinais de rachadura. Aos poucos, o país sul-americano passou do bom desempenho obtido no começo do milênio para o desequilíbrio público por meio da dominação do poder executivo perante os demais. 

Crise na fronteira do Brasil com a Venezuela
Fonte: https://www.nsctotal.com.br/noticias/sabado-e-marcado-por-fortes-confrontos-nas-fronteiras-da-venezuela

Praticamente um monopólio governamental sobre os demais entes, algo similar ao poder moderador absolutista. Não seria exagero enquadrá-lo como um regime autoritário, ditatorial, conforme expresso na reflexão sobre ditaduras. O limite saudável entre Estado e sociedade é ultrapassado quando cessam a liberdade, igualdade e fraternidade. Definições e entendimentos sobre o assunto são polêmicos e divergentes, mas é necessário lembrar da prioridade: as pessoas. Qualquer governante que se perpetue no poder perde a legitimidade e a renovação. Perde a visão, perde a audição e os sentimentos. A perpetuação pessoal do poder é uma forma de perder a si mesmo.

Infelizmente, muitos veem no sofrimento alheio uma oportunidade de crescer. Infelizmente, há quem veja cifras na dor alheia. A doença social está na indiferença para com o próximo. É fato que a Venezuela passa por um período turbulento que se agrava a cada dia. Nesse sentido, ajuda humanitária externa é essencial. A diplomacia internacional deveria construir uma ponte de diálogo, estabelecer um canal de transição sem o aumento da tensão de modo a se evitar uma guerra (civil ou internacional). Desse modo, é preciso respeitar a soberania e autodeterminação dos povos para que assim os compatriotas encontrem uma alternativa, um meio-termo para a saída pacífica de um problema interno.

Se faz necessário lembrar que a Venezuela é o país com maior reserva de petróleo do mundo. Em um planeta cujo petróleo é fundamental para a manutenção e desenvolvimento das nações, sendo este um recurso fundamental no quesito energia para qualquer país do globo, uma análise mais ampla é necessária para entender o interesse de diferentes países nos problemas venezuelanos. No final das contas, o que mobiliza EUA, Rússia, China e tantos outros são questões estratégicas de influência e capital na geopolítica internacional.

Fonte: https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/violencia-na-fronteira-venezuelana-ja-comecou-415054

O fato do presidente estadunidense declarar a intervenção militar dos Estados Unidos na Venezuela como umas das possibilidades de ações para "mediar o conflito e estabelecer a ordem" de nada ajuda. Do mesmo modo que a diplomacia nacional brasileira não pode fechar as portas para o diálogo para com o nosso vizinho. Uma guerra na Venezuela não é vantajosa para a região. O que o atual governo brasileiro precisa entender é que nem sempre o que é bom para os EUA é bom para o Brasil. Não se pode perder a pedra fundamental de qualquer convivência e relacionamento: as pessoas. Cabe aos venezuelanos dentro de sua autonomia definir o próprio rumo.

Chega a ser cansativo assistir ao medo implantado pela cobertura sobre o assunto. Praticamente vinte e quatro horas por dia. É preciso manter o bom senso, sem radicalismo e polarização. Vale lembrar que o cenário interno brasileiro possui grandes e graves dificuldades, como por exemplo o alto número de assassinatos, algo comparável a uma guerra civil dentro do próprio Brasil. Portanto, o país deve tratar da questão venezuelana de forma diplomática, sem perder energia e foco para os problemas da própria entranha nacional. Calma, respeito e ética são fundamentais nos momentos de agitação. O fato bélico não traz vitória, pois em um conflito armado todos os lados saem perdendo. Perdem a humanidade, perdem a vida.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Reflexão sobre a ilusão do Laissez-faire (livre mercado)

Deixar fazer é o significado da expressão francesa utilizada para simbolizar a mais pura teoria do capitalismo. Crentes na independência e autossuficiência do livre mercado, os adeptos acreditam no equilíbrio natural, sem interferência (por mais dolorosa que as consequências sejam). Com uma agenda posta sob tal prisma pelos representantes recentemente empossados, o desafio será implementar um sistema que nunca vigorou plenamente até então. Se faz necessário refletir sobre o tema, mesmo não sendo economista, pois esta é uma questão central que atinge a todos.

O inglês Adam Smith falava sobre a mão invisível do Estado em meados do século XVIII. Já o austríaco Friedrich Hayek chegou a um certo radicalismo quase anárquico no século XX ao argumentar que o Estado deveria ser substituído pelas empresas privadas. Seja qual for a corrente adotada dentro do Laissez-faire, o fato é que nenhuma nação até agora, ao longo da história mundial, foi capaz de desenvolver um sistema totalmente sem interferências, indo sempre além do mínimo aceitável que seria apenas a regulamentação da propriedade privada. Seria simplesmente deixar rolar, como o nome já indica.

Mesmo expoentes do capitalismo tais como Estados Unidos e Reino Unido não foram capazes de deixar o mercado plenamente livre do Estado. O exemplo mais desastroso em se tentar levar tal pensamento adiante foi durante a Grande Depressão de 29 que levou o planeta à beira do abismo. Quando o sistema capitalista adoeceu no início do século XX e o Estado se omitiu por um tempo, a devastação foi tanta que desencadeou desempregos, falência e suicídios. O antídoto encontrado para a falha do capital pouco depois foi a ascensão do nazismo e do fascismo para abraçar as massas desesperadas em seu mais cruel totalitarismo. 

Fonte: http://www.infoshop.org/would-laissez-faire-capitalism-be-stable/

O equilíbrio natural da economia é frutífero em discursos e escritas; porém, até hoje não encontrou respaldo na prática. A realpolitik se impõe aos utópicos. O suposto liberalismo encontra abrigo nos corações conservadores, contrário a qualquer novidade como a internacionalização, pois mesmo pregando o livre mercado e livre concorrência, acabam por adotar políticas protecionistas e nacionalistas. O oposto imediato por meio da completa estatização de todas as atividades mostra-se perigosa e ditatorial, mas possível de ser realizada na vida real. Um exemplo foi a existência do comunismo que se mostrou factível, sem aqui entrar no mérito de seus erros e acertos. 

É preciso traçar limites para não ultrapassar as barreiras dos extremismos. Sendo a economia uma ciência pautada em aspectos micro e macro como questões psicológicas de confiança e previsibilidade, o desafio torna-se maior ainda. Não é uma tarefa fácil, mas o britânico Keynes mostrou ser possível a busca por um meio-termo entre a ilusão do livre mercado e a ditadura do proletariado, tendo seu ápice entre as décadas de 40 e 70. Tanto nos anos seguintes da Grande Depressão de 1929, quanto logo após a Recessão de 2008, a teoria keynesiana (e seus afluentes) foi o remédio para combater a alta taxa de desemprego por meio do estímulo da demanda agregada feita através do investimento público em obras. 

O incentivo para a geração de empregos é uma resposta à inércia, um crédito adicional, não uma troca. Obviamente que tal medicação deve ser moderada, com uso restrito somente em casos específicos como no caso de recessões profundas e depressões econômicas. O absurdo não está na intervenção estatal em certos momentos; o absurdo está na crença de que somente guerras fomentam a recuperação e em taxas de desemprego superiores a dois dígitos. A omissão dos governos acarreta consequências como conturbações sociais generalizadas e propiciam o aumento do autoritarismo / populismo. Problemas se enfrentam com planejamento, não com demagogias.

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Fonte: http://rall.com/2019/01/11/here-is-the-progressive-agenda

A concorrência em si é assimétrica cuja competição leva a oligarquias e monopólios financeiros. O Brasil próprio já foi prejudicado no comércio internacional na competição com produtos estadunidenses, como foi o caso das barreiras impostas pelos EUA para com as laranjas brasileiras e tantos outros produtos que ameaçam a soberania dos vizinhos do Norte. Portanto, não se trata de um processo justo e equilibrado. A maior potência capitalista sempre usa de artifícios de intervenção estatal na economia quando julga necessário, como recentemente no caso da guerra comercial travada por Trump contra os produtos chineses. A guerra (militar ou econômica) é o caminho mais rápido e fácil para os ajustes de conta. É realmente isso que o Brasil quer e precisa?

Mesmo os "bons anos" do livre comércio, entre as décadas de 80 e o início dos anos 2000, provaram ser insuficientes. Obviamente que não existe perfeição nas ações humanas, mas é preferível investimento em obras públicas, tributação progressiva e até mesmo isenções ficais do que aceitar uma onda crescente de desemprego onde o rico fica ainda mais rico e o pobre fica cada vez mais pobre (mesmo com eventuais riscos inflacionários). A miséria e violência são só duas consequências da omissão estatal, pois impostos são pagos. A social-democracia já se mostrou extremamente eficaz nos países nórdicos cujo verdadeiro significado de Welfare State (Estado de bem-estar social) é sentido na pele com os melhores índices de Desenvolvimento Humano. A economia mista é um caso de sucesso.

O Tea Party brasileiro mostra-se uma verdadeira piada, perdida entre costumes, política e economia. Nem Ronald Reagan, nem Trump. Nem Margareth Thatcher, nem Theresa May. Mesmo que um ocasional boom aconteça milagrosamente em poucos anos, não deixará de ser um retrocesso a longo prazo. Isso não significa que o governo deva se endividar plenamente e estatizar a economia. O cerne do caso brasileiro está nos desvios, no conluio entre políticos e empresários, nos altos salários que ultrapassam o salário mínimo e não respeitam nem mesmo o teto estipulado, na falta de eficiência dos altos cargos do funcionalismo público, no excesso de indicações e falta de meritocracia. Ou seja, o problema interno está justamente na falta de controle e investimento.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Reflexão sobre a lama nacional

"Mudaram as estações e nada mudou". Faltou fiscalização, faltou priorizar vidas (humanos, animais, vegetais), faltou zelar pela comunidade. Uma tragédia anunciada, um crime contra os trabalhadores que a cada dia perdem empregos e direitos. Extrativismo mineral brutal. Descaso ou falha nas análises de risco da Vale? Não adianta falar de lucros, ações, estatísticas. Números sempre são frios. Mais uma vez a terra sangrou, mais uma vez a natureza foi violentada pela exploração humana. O único plano de ação foi a lágrima dos familiares e mais de 300 corpos inocentes espalhados embaixo da terra. Instituições cooptadas por montantes de dinheiro, a falta de foco para com o meio ambiente.

"Da lama ao caos, do caos à lama". O bolso sempre fala mais alto, a economia sempre está no centro das discussões. E assim perdemos aquilo que nos mantêm vivos. Atos de voluntários reforçam os laços estremecidos pela ganância. Subitamente todos estão preocupados com as barragens. Qual a novidade? De repente o meio ambiente tornou-se pauta, mas por pouco tempo porque logo as lentes estarão apontadas novamente para Brasília. Tanto se fala em combater ideologias, mas pouco se faz para combater a fome, a falta de moradia, o crime organizado, os crimes ambientais. Nessa briga de empurra, os verdadeiros heróis se arrastam sobre a lama. Nessa busca repentina por culpados, as vítimas são esquecidas. Como se chama mesmo?

Rompimento de barragem em Brumadinho (MG)
Fonte: https://veja.abril.com.br/brasil/veja-antes-e-depois-de-brumadinho-e-imagens-aereas-de-lama-na-cidade/

"Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades". De Mariana (2015) para Brumadinho (2019) em Minas Gerais. De Rodrigo Maia (2017) para Rodrigo Maia (2019) na presidência da Câmara dos Deputados. Do ex-deputado Michel Temer (2016) para o outro deputado federal de carreira Jair Bolsonaro (2019). Aécio Neves, Gleisi Hoffmann e Renan Calheiros novamente eleitos. Os brasileiros clamam por renovação e mudança, tanto nas ruas quanto na internet. Entretanto, os fatos demonstram justamente o contrário: não há nada de novo na suposta casa do povo. Segundo o curto discurso do atual presidente em Davos, o Brasil é um exemplo no trato para com o meio ambiente, um verdadeiro paraíso. É preciso lembrar para não esquecer, por mais óbvio que tal afirmação pareça. 

"Em vez de luz tem tiroteio no fim do túnel, sempre mais do mesmo, não era isso que você queria ouvir?". O cheiro da decomposição do poder já é sentido há milênios pelas mais diversas sociedades. Afinal, para que alguém se dê bem e tenha privilégios é necessário que outros tantos agonizem por aí. Não que isso toque os corações das grandes lideranças nacionais, pois os mesmos estão sentados confortavelmente em seus palacetes remando conforme a correnteza até que o mandato termine para, posteriormente, tentar se reeleger. O quanto já foi debatido, dito, escrito sobre o assunto?

Fonte: https://veja.abril.com.br/brasil/rompimento-de-barragem-da-vale-em-brumadinho-deixa-200-desaparecidos/

"Quem guarda os portões da fábrica? O céu já foi azul, mas agora é cinza e o que era verde aqui já não existe mais". É como diz o ditado, o pior cego é o que não quer ver. E assim tocam suas vidas na luta diária pela sobrevivência, fechando os olhos para os moradores de rua, para os animais desabrigados, fechando o nariz para a podridão da poluição, fechando a mente para tudo o que seja diferente. Julgam o político (por vezes com razão), mas esquecem de quem o elegeu. Esquecem de quem realmente lutou pela pátria, de quem apanhou nos porões obscuros das cidades, de quem deu a vida pelo trabalho no campo. Esquecem até em quem votaram nas últimas eleições. A culpa é de quem mesmo?

"Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse? Na morte eu descanso, mas o sangue anda solto manchando os papéis, documentos fiéis, ao descanso do patrão. Que país é esse?". Sábios fragmentos de letras entre aspas oriundos, em sua maioria, da década de 80. Se a vida realmente é um ciclo, então a história novamente se repete. É preciso aprender com os erros para romper os paradigmas estabelecidos há séculos pelas oligarquias nacionais. Até lá, continuaremos a viver sob lama.