domingo, 31 de março de 2019

Reflexão sobre a ditadura militar brasileira

Ultimamente as pessoas acham normal condenar a opinião alheia por ser uma voz dissonante. O amor ao próximo passou a ser repulsa pelo oposto. Adversários políticos tornam-se inimigos. O achismo individual passou a ser tratado como verdade universal absoluta. Em uma sociedade saudável, a argumentação e contraposição de ideias é algo extremamente natural que fortalece o senso crítico e equilibra o desenvolvimento humano. Mas o que dizer para aqueles que nem vão ao debate? Não sabem, não querem saber e têm raiva de quem sabe. O suposto país do futuro está com vendas nos olhos.

Afinal, se você disser no Brasil atualmente que a terra não é plana estará cometendo uma blasfêmia e deverá responder por tal atitude. Do mesmo modo que se convencionou a ocultar e distorcer fatos e dados como a escravidão no país. A moda da vez é dizer que o regime militar brasileiro não foi uma ditadura. Certos de suas certezas, cegos do mundo ao seu redor. Pior, querem atacar visões diferentes somente por não concordarem com o absurdo. A ignorância parece ser o caminho da felicidade para essas pessoas que vivem em completo isolamento assemelhando-se a pequenas ilhas dentro de um tecido social cada vez mais intolerante, racista, impaciente e preconceituoso.

Tanques do Exército em frente ao Congresso, após o golpe, em data indeterminada de 1964

Escondendo-se da verdade, os gênios desconhecidos da internet passam o dia apenas para criticar, destruir o conhecimento e sabedoria. Ora, se disserem que a Terra não é o centro do universo então, em breve, será necessário mandar tal sujeito para a forca ou fogueira. Nada mais atual do que os homens da caverna e seu protecionismo nacionalista marcando território. Afinal, o que comemorar nos eventos de 31 de março que deram início à ditadura militar em 1° de abril de 1964? Mentira? Gostaria que fosse, mas a realidade se impõe. Generais fora dos quartéis combatendo o próprio povo, fardas manchadas de sangue, tanques nas ruas, repressão. Nem inferno, nem paraíso: apenas as contradições terrenas dos habitantes que aqui habitam em busca de reconhecimento e salvação.

Foram 21 anos que ainda hoje não estão completamente à luz e o excelentíssimo presidente da república quer fazer uma festa. A grande pergunta que fica é: o que celebrar? Comemorar os mais de 400 mortos e desaparecidos por se oporem ao regime militar instaurado? Ou então ao genocídio de mais de 8 mil índios? Grandes patriotas tais senhores que mataram a própria população com a desculpa de se evitar uma ameaça comunista. Hoje, ainda assim, culpam os outros para justificarem atos injustificáveis. Afinal, se o governo de Jango seguia a Constituição vigente, respeitando os protocolos à risca, então qual o perigo havia nisso? O pior cego é aquele que não quer ver.

execuções da ditadura militar

O verdadeiro golpe que houve foi militar das Forças Armadas brasileiras patrocinadas pelos EUA para conter a expansão do seu adversário em pleno contexto de Guerra Fria. O medo estadunidense era que o exemplo de Cuba se propagasse pelos outros países da América Latina. Assim sendo, segundo a lógica norte-americana, o inimigo do seu inimigo era o seu amigo e nesse caso os regimes ditatoriais de direita poderiam ser úteis, aliados para extinguir uma ameaça que nem esteve na eminência de ocorrer em terras tupiniquins. Uma humanidade sem memória perde o seu caráter racional e torna-se apenas um animal sedento por instintos primitivos e falta de respeito. Talvez seja por isso que certas pessoas menosprezem os direitos humanos, justamente por não haver mais traços de humanidade neles próprios. 

Mito foi o chamado "milagre econômico" que agravou a situação do país com alta dívida e inflação. Que milagre foi esse na década de 70 que levou o país para o abismo na década seguinte? Mito foi a suposta qualidade de ensino no período da ditadura militar, sendo que o índice de analfabetismo da população era alto. Mito era a perfeição da saúde da época com grande déficit de saneamento básico e um sistema público que só atendia trabalhadores formais, pois o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não existia. Mito é achar que a corrupção é coisa de agora e que os militares não cometeram nenhum ato de desvio de recursos. Mito é dizer que só morreram vagabundos e terroristas. Mito é dizer que todos apoiavam o regime e que todos conviviam em perfeita paz e harmonia. Quem são as pessoas nas fotos? Os rostos desconhecidos? As faces desfiguradas? E as famílias? 


Os mesmos que acreditam na perfeição do Brasil durante o período do regime militar também acreditam em contos de fadas. Como é sempre dito neste espaço: a história é feita por seres humanos, homens e mulheres, não por heróis e vilões. Então a pergunta do início desse texto se repete: o que celebrar em 1° de abril? O dia da mentira? Comemorar os mortos políticos, os presos, os torturados, os censurados, os desaparecidos, a falta de liberdade, o medo, a ausência de diálogo e opiniões? O que celebrar? O poder, a ganância, a miséria, a desigualdade, os atos institucionais?

Ninguém possui bola de cristal para saber como seria o restante do governo de João Goulart. O que temos são acontecimentos. A realidade é pautada por fatos e o fato é que houve sim uma ditadura militar brasileira desde a posse de Castelo Branco e um endurecimento contínuo e progressivo passando por Costa e Silva, Médici, Geisel até o declínio ocorrido durante o governo de Figueiredo. Isso não quer dizer que todos os militares estavam envolvidos em crimes e também não quer dizer que as Forças Armadas são inimigas eternas do povo brasileiro. Mas lembrar é viver, então é preciso revisitar a memória do Brasil para esclarecer fake news apoiadas pelo atual governo e seu sistema de desinformação nacional.

sexta-feira, 22 de março de 2019

Reflexão sobre os Estados Unidos do Brazil

Paixão antiga e platônica. Por vezes disfarçada, mas sempre presente. Que o Brasil ostenta uma inegável admiração pelos Estados Unidos da América não é uma novidade. Como exemplo é possível citar o próprio nome oficial do país em 1891 como sendo República dos Estados Unidos do Brasil, quando então a jovem nação independente tupiniquim abandonou a monarquia para abraçar um modelo oligárquico de república federativa. Tal nomenclatura do país perdurou até a Constituição de 1967. Típico romance de nações, só que no caso entre Brasil e EUA trata-se de um amor não correspondido.

Durante visita recente do então presidente Bolsonaro à Casa Branca, tal amor unilateral por parte do Brasil foi explicitado ao nível de praticamente beijar a sola do sapato do suposto amor (no caso personificado pela figura de Donald Trump). Uma criança na Disney brincando de governar um país com acordos desequilibrados, reflexo do governo dos Estados Unidos do Brazil (ou EUB se preferir) e da nova família patriarcal. Se de um lado foi liberado o uso do centro espacial de Alcântara, importante polo estratégico situado no Maranhão; do outro lado houve, na melhor das hipóteses, um autógrafo e uma foto de Trump para o seu fã Bolsonaro. A troca de presentes diante das câmeras foi simbólica: uma camisa original contra outra remendada.

Charges: O encontro entre Trump e Bolsonaro

A idolatria presente na história do Brasil de outrora volta à tona com vigor e fanatismo. Uma cópia subdesenvolvida conforme descrito na reflexão sobre o sonho americano. Se no âmbito das relações internacionais os acordos são feitos de modo bilateral, o "Brazil" foi, no mínimo, ingênuo na tratativa dos assuntos. Não restou nada de concreto ao término da reunião, apenas promessas e ilusões. Se de um lado o brasileiro pena para conseguir entrar e permanecer nos EUA; do outro lado as portas estão escancaradas, implorando pela visita do Tio Sam. Inveja, admiração ou submissão?

O sonho tupiniquim há tempos é o sonho americano. Do terror do comunismo (que por sinal nunca houve de fato no país) o que existe é a sede pelo consumismo. Mais do que isso: o sonho em ser os Estados Unidos da América do Sul do Brazil. É bem verdade que, historicamente, os laços entre as duas nações sempre foram fortes. Os Estados Unidos da América foi o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil. Por serem bonzinhos? Apenas negócios. Nem heróis, nem vilões: apenas seres humanos.

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Além do nome de Estados Unidos do Brasil que já foi realidade, também embarcamos ao lado dos estadunidenses na Segunda Guerra Mundial. Jogo de interesses e conflitos. Não se pode ocultar o apoio dos norte-americanos para a instauração do regime militar brasileiro em 1964. Qualquer ditadura e tortura foi aceita pelos EUA para combater a concorrência presente na bipolarização durante o século XX. Se os fins justificam os meios, então o que justifica os fins? Leon Trótski se faz presente com o seu questionamento do século passado, ainda atual. 

Se as guerras se justificam por meio do acúmulo de poderio bélico e recursos estratégicos, assim como foi no Iraque e as supostas armas de destruição em massa (vide petróleo); então o que justifica os fins? Se a democracia é o governo do povo, então como explicar a demagogia utilizada pelas elites em sua clássica oligarquia disfarçada cuja alternância do poder se faz entre o seleto grupinho fechado dos mesmos? Faça o que digo, mas não faça o que faço. É possível citar um velho sábio para concluir sobre a relação entre o vizinho rico do Norte e o primo pobre da América do Sul: "a solução é alugar o Brazil". Sim caro leitor, Estados Unidos do Brazil (com z).

sábado, 9 de março de 2019

Reflexão sobre o laranjal brasilis

Que o Brasil é um dos maiores produtores de laranja do mundo já não é uma novidade. A questão agora é que o laranjal nacional ultrapassa as fronteiras geográficas das plantações obtendo foco em seu deslocamento do campo para os centros políticos espalhados país adentro. Práticas como esta, em destaque nos meios de comunicação, são antigas e constam desde os tempos do Império. Entretanto, o diferencial no momento são os diversos casos explicitados na atual gestão do executivo federal em um curto espaço de tempo. Lá se vai a suposta moralidade da campanha.

Mais um estelionato eleitoral é deflagrado no Brasil. O partido que afirmava ser o oposto das práticas vigentes acaba por ser desmascarado semana após semana com escândalos envolvendo os seus membros; por vezes, peças fundamentais dentro da composição do tabuleiro governamental. A realidade e os fatos aos poucos vão se impondo ao que era antes a ilusão da salvação da pátria, sobretudo no que concerne aos costumes e práticas políticas. Ninguém sabe de nada. Um verdadeiro laranjal, sem vilões ou heróis. Falaram que não iriam fazer igual, mas estão fazendo pior. 

Fonte: http://www.politicadistrital.com.br/2019/02/17/cronica-da-politica-o-laranjal-do-planalto/

O termo "laranja" costuma indicar alguém que supostamente assume uma função apenas no papel, pois na prática nota-se o contrário. Especificamente na política, um candidato laranja é alguém de fachada, um candidato falso que entra na eleição só por entrar, sem chances de disputar cargo. É utilizado apenas para tirar proveito da situação. Tal candidato não entra no pleito eleitoral para competir, mas sim para ser utilizado de acordo com os interesses de terceiros. Funcionários fantasmas, laranjal brasilis...quem se lembra da Wal durante o período eleitoral? E do caso Queiroz?

Geralmente, os partidos usam tais candidaturas para desfrutarem da verba destinada aos candidatos laranjas. Um exemplo são alguns casos de candidaturas femininas que tiveram que devolver para os diretórios partidários boa parte do valor obtido para a campanha. Sem recursos, as candidatas servem apenas para compor o quadro e atender a lei das cotas introduzida em 1998. Com tantas frutas em voga dá para fazer várias jarras de suco.

Recentemente, essa constatação pode ser feita por meio das denúncias que caem sobre o PSL, partido do atual presidente Jair Bolsonaro. Casos como o de Gustavo Bebianno (ex-presidente da sigla) e do atual Ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio estão em destaque. O Partido Social Liberal enfrenta fortes acusações em Minas e no Nordeste. Obviamente que não se trata de uma novidade, muito menos de uma exclusividade. Muitos dos partidos que agora apontam o dedo também possuem e/ou possuíram casos semelhantes. 

Fonte: https://altamiroborges.blogspot.com/2019/02/cresce-o-laranjal-dos-bolsonaro.html

O fato é que em pouco mais de 60 dias de governo, os próprios membros que compõem a gestão dão caneladas em si mesmos. São pequenas crises internas que se sucedem e instabilizam a governabilidade. Tanto se fala em costumes, ideologias e tradições, mas de fato nada tem sido feito de modo eficaz que contribua com o desenvolvimento do país nos respectivos campos periodicamente citados. São gastos excessivos nos cartões corporativos da Presidência da República, a celebração da morte de uma criança de 7 anos e tantas outras atitudes em tão pouco tempo que contrariam a própria conduta defendida no período eleitoral. 

O laranjal brasilis demonstra-se frutífero nos diretórios partidários, câmaras e assembleias espalhados pelo Brasil, sobretudo no fértil solo de Brasília. Enquanto isso o desemprego, a informalidade e a violência aumentam. O cidadão brasileiro espera postura digna de seus representantes e não uma criança mimada que está mais presente nas redes sociais do que no cotidiano da população. O país necessita de um corpo político sério e competente. Menos demagogia, menos promessas, menos ameaças e mais ação em prol do coletivo e do bem público.