segunda-feira, 24 de junho de 2019

Reflexão sobre a Era da terceirização

Sobram indivíduos, faltam cidadãos. Sobra reclamação, falta civilização. Subitamente, o catador de lixo e o vendedor de balas no semáforo que passam fome e lutam diariamente pela sobrevivência passam a ser cases de empreendedorismo em meio ao modelo da terceirização. Bem-vindo à Era do cada um por si!

A sociedade brasileira nada mais é do que um grande jogo de empurra. Todos sabem ou fingem saber dos seus direitos, mas acabam se esquecendo dos respectivos deveres. Muito se fala em crescimento, mas pouco se aplica de fato em sustentabilidade. Falam em preservar o meio ambiente, mas querem dinheiro e querem agora. As transformações nas noções do tempo e do espaço refletem o cotidiano das pessoas. 

É o prefeito que joga a culpa no governador. É o governador que terceiriza a responsabilidade para o presidente. É o presidente que foge do debate e passa a bola para os ministros. São os pais que terceirizam a educação dos próprios filhos para os professores. É o povo que reclama das enchentes, mas descarta o lixo em qualquer local. É o indivíduo que reclama do coletivo, mas pensa apenas em si mesmo parando em vaga proibida e cortando fila. É o juiz paladino da justiça que falta com a ética. São as indústrias que jogam a culpa para o governo. É o governo que quer fazer cortes sem dar o exemplo. 

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Exemplos de terceirização não faltam. Pretendem mudar o mundo sem melhorar o próprio interior. A culpa é sempre do outro e assim o ciclo persiste, o velho jogo de empurra. Deixa para amanhã, deixa para depois. Eternamente o país do futuro, tentando ser quem nunca foi. Abrindo as portas e as pernas para o que vem de fora, esquecendo de olhar para dentro. É preciso autorreflexão e humildade para colocar os pés no chão e voltar ao rumo. Modelo empresarial falido, sem PDCA, sem análise crítica, sem resolução de problemas, sem propostas, sem tempo para pensar e ouvir. Apenas terno e gravata sufocando o povo. 

O Estado brasileiro nada mais é do que um grande jogo de empurra. Muito se fala em crescimento, mas acabam se esquecendo do desenvolvimento. O valor monetário bruto supera a qualidade de vida e desse modo o país segue sem perspectivas, fadado ao fracasso. Falta vontade popular, falta vontade política, falta vontade econômica. E assim os vereadores jogam para os deputados. Os deputados empurram para os senadores. Os senadores terceirizam o problema para a oposição. A oposição passa a bola para a situação. O governo, perdido como sempre, joga a culpa no passado, esquece que também faz parte desse jogo há três décadas. E o presente? E o futuro?

Com o avanço do capitalismo neoliberal predatório está na moda usar termos do mundo dos negócios, ou melhor, conceitos mercantis de práticas e melhorias do bussiness visando a eficácia e eficiência do discurso de blá blá blá. Muito se fala em gestão pública gerencial, mas no próprio seio das instituições privadas o jogo de empurra passa do presidente para os diretores, dos diretores para os gerentes, dos gerentes para os supervisores e dos supervisores para a base da pirâmide. Relações verticais extremamente hierarquizadas. Ou, se preferir, a brincadeira antiga de passar a batata quente. Perde quem segurar a bomba por último.

Terceirização só serve para reduzir salários e direitos dos trabalhadores. Entenda porquê.

Terceirizar significa passar a bucha para o próximo. Significa que poucos ganham em detrimento da perda de muitos. Afinal, nem todos podem ganhar pela lógica do sistema não é mesmo? O sucesso pós-moderno se baseia na derrota alheia; pois, para alguém vencer, muitos precisam perder. Amigos, amigos, negócios à parte. E quem paga a conta? Nariz de palhaço a cada novo boleto pago. Nariz de palhaço a cada novo desvio de verba pública, em cada buraco. E a falácia dos demagogos continua; entretanto, ninguém mais bate panela agora. Autonomia passa a ser sinônimo de autônomos (trabalho informal). Tontos!

Terceirizar é colocar alguém para fazer por um menor custo e todos aqueles direitos que as pessoas achavam possuir vão, aos poucos, se perdendo. Todos querem a mudança, mas ninguém quer mudar. Então uma nova rodada de negociações é necessária. Uma nova terceirização, privatização total, tudo nas mãos de poucos, tudo nas mãos dos empresários. Ah sim, a tão sonhada salvação concreta da selva de pedras. Um salve para os heróis das bolsas de valores, sempre em alta. Tolos!

O desemprego, a falta de moradia e a pobreza são meros detalhes em meio aos outdoors de luxo nas avenidas das capitais brasileiras. É necessário sempre mais. Mais cortes, mais reformas, mais privatizações, mais terceirização. Enquanto isso, atrás das cortinas do teatro, o jogo continua sendo jogado, o velho jogo de empurra. 

sábado, 15 de junho de 2019

Reflexão sobre a sociedade de castas (Belíndia)

Era uma vez um país com dimensões continentais cuja desigualdade histórica levou a um processo contraditório, repleto de riquezas e potencial econômico de um lado, mas cheio de preconceito e má distribuição do outro. A Belíndia é justamente a ambiguidade entre o crescimento aparente (simbolizado pela Bélgica) misturado à segregação hierarquizada (simbolizada pela Índia). A velha estratificação social se faz presente nas terras tupiniquins em pleno século XXI e mesmo assim a cegueira dos seus habitantes continua centrada no próprio umbigo. Falta empatia, sobra discursos e justificativas. Uma saturação pós-moderna sem previsão de fim dentro dos paradigmas que estruturam o status quo.

O dualismo proposto pelo termo popularizado por Edmar Bacha na década de 70 traduz a realidade de um país emergente preso em suas próprias desigualdades. O crescimento dos tempos áureos não se converteu em desenvolvimento. Assim sendo, quando a estagnação bate à porta o retrocesso é eminente. Os conflitos se fazem na esfera política, mas é o âmbito econômico que pauta todo o jogo. A briga é pela narrativa vitoriosa, por discursos de massa. A luta se faz pela forma, não pelo conteúdo. Cheio por fora, vazio por dentro. Quem está no topo da pirâmide brasileira? Quem está na base dando sustentação sem sustentabilidade?


A sociedade de castas foi um sistema de divisão social hindu característica de países como Índia e Nepal. Pautada pela hereditariedade, não possibilitava movimentações de um estrato para outro. Ou seja, não há mobilidade. A condição (casta) do indivíduo está acorrentada aos seus ancestrais. O filho está preso ao determinismo inerente à condição (estrato) do pai sendo que cada integrante só podia se casar com membros do seu próprio grupo, perpetuando assim a clivagem social. Teoricamente, as classes sociais do sistema capitalista possibilitam uma alta mobilidade, mas talvez estejamos no meio termo entre ambos: estamentos com pouca mobilidade típico do sistema feudal. Haja em vista as oligarquias (políticas) e os oligopólios (econômicos) presentes.

Em sânscrito (língua antiga falada na Índia), casta significa "cor". São quatro os tipos de castas na Índia: (a) Brâmanes - sacerdotes; (b) Xátrias - guerreiros com poder político; (c) Vaixás - comerciantes; (d) Sudras - servos. Os Párias eram marginalizados da sociedade de modo que nem compunham a pirâmide social das castas, restando apenas os trabalhos degradantes por serem considerados impuros dentro do contexto religioso-político (por esse motivo também são considerados intocáveis). Será que tal divisão se concretiza no Brasil? Metade Índia, metade Bélgica. Talvez nem isso. Um país emergente em estado de emergência entre o sonho da primeira classe e o cotidiano do subdesenvolvimento. A realidade é um fato que se impõe na rotina do cidadão, só não vê quem não quer.

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Era uma vez a promessa de sempre colocar a culpa no outro e postergar as melhorias. Cortes sempre solicitados, mas ninguém dá o exemplo. Burocracia de cima para baixo. Sacrifícios necessários para a satisfação real de poucos. Castas perpetuadas com a promessa de ascensão meritocrática, mas no fundo a alta cúpula é formada por indicações e quadrilhas organizadas que chegam ao poder sem projeto, sem planejamento. Era uma vez uma disputa ideológica contra um fantasma que nunca existiu. Em busca da reafirmação da própria certeza pautada em convicções que se fragmentam a cada areia transcorrida da ampulheta. A verdade é obscurecida, o que importa mesmo é o controle da notícia e da informação. Manipular para sobreviver.

A Belíndia de hoje continua sem respostas, mas os questionamentos só aumentam. Sem heróis ou mitos, apenas humanos tentando passar por cima de outros em prol do benefício próprio. Talvez faraós, pirâmides do Egito no Brasil da atualidade. A desorientação implica na busca por salvação. E a escravidão? E a tal da fraternidade? As dúvidas persistem, perguntas que se multiplicam. Enquanto isso os recursos continuam escassos, a demanda aumenta exponencialmente e a vida de todos passa a ser bolhas insulares onde o ter é mais importante do que o ser. 

sábado, 1 de junho de 2019

Reflexão sobre plebiscitos e referendos

Partindo do pressuposto do que se convencionou em chamar de democracia moderna, a participação popular deveria ser mais ativa nas questões referentes à coisa pública. Entretanto, no velho conchavo de poucas famílias brasileiras no comando da nação, o chamamento popular é irrisório diante da abrangência que o termo democrático traz consigo. Simbolicamente, os cidadãos são chamados a cada dois anos para as eleições e do mais são manobrados por interesses pessoais e partidários como gados no pasto. A resistência atualmente é feita somente nas ruas; pois, por vezes, nem as urnas bastam diante do lobby (explícito ou invisível). O mesmo já se alastra pelos asfaltos por meio de patrocínios.

Duas ferramentas importantes para inserir a sociedade nos debates e tomadas de decisões são os plebiscitos e referendos. Ambos são consultas populares para decidir questões de natureza pública (constitucional, administrativa ou legislativa). Previstos na Constituição Federal, podem ser convocados mediante decreto legislativo em âmbito federal. Já para questões de competências regionais ou locais, os plebiscitos e referendos podem ser convocados em conformidade da Constituição Estadual nos estados e da Lei Orgânica nos municípios.

Plebiscito é uma consulta que antecede a tomada de decisão pelo parlamento, ou seja, primeiramente questiona-se a população sobre o assunto para depois elaborar a legislação. Já o referendo é uma consulta posterior, ou seja, o parlamento toma uma decisão política e consulta o povo para saber se este aceita ou não aquela decisão. Só após a aceitação popular é que a decisão passa a ter validade. 

Plebiscito

Portanto, a principal distinção entre plebiscito e referendo está no momento da consulta, sendo o primeiro convocado previamente à criação do ato legislativo, e o segundo convocado posteriormente, cabendo ao povo ratificar ou rejeitar a proposta. Na história do Brasil é possível citar o referendo sobre o fim do parlamentarismo de 1963 e o plebiscito sobre o sistema político (presidencialismo ou parlamentarismo) e regime (república ou monarquia) em 1993. Nos dois casos o presidencialismo foi a opção escolhida pelos brasileiros. 

Isso não quer dizer que a voz da população sempre é acatada pelo poder público. Um exemplo recente foi o referendo sobre o Brexit quando em 2016 os cidadãos decidiram pela saída do Reino Unido da União Europeia. De lá para cá ainda não houve um acordo entre as partes, o que foi prometido ao povo se mostrou algo tão complexo que ainda não foi possível se concretizar e talvez nem o seja. Uma das principais articuladoras do movimento, Theresa May, foi eleita primeira ministra à época, mas caiu do cargo em maio deste ano devido a seu insucesso. 

OAB 1ª Fase: qual diferença entre plebiscito e referendo?

No Brasil, em 2005 houve um referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo no país. O povo rejeitou a proposta, mas a concessão do registro e porte de armas no país permaneceu rigoroso e restritivo. Como se nota, nem sempre a maioria vence. Nem sempre a voz do povo significa bom senso e racionalidade, muitas vezes se deixando levar pelos sentimentos, agindo por impulso e sem medir as consequências.

Nem mesmo as eleições são garantias de soberania popular. Assim foi com Jango na década de 60 após a renúncia de Jânio Quadros e também na eleição de Dilma para o seu segundo mandato como presidenta em 2014. Mesmo sendo eleita, o impeachment logo foi armado com a promessa de uma faxina política. O que se vê hoje, mais de três anos depois do seu afastamento, é que a sujeira continua nos porões e esgotos de Brasília e vários corruptos (empresários e políticos) livres ou em prisão-mansão domiciliar. A desculpa do golpe permanece até hoje, assim como Temer jogou toda a culpa da sua incompetência na greve dos caminhoneiros. A culpa é sempre do outro e no final quem paga a conta é o povo.