Sobram indivíduos, faltam cidadãos. Sobra reclamação, falta civilização. Subitamente, o catador de lixo e o vendedor de balas no semáforo que passam fome e lutam diariamente pela sobrevivência passam a ser cases de empreendedorismo em meio ao modelo da terceirização. Bem-vindo à Era do cada um por si!
A sociedade brasileira nada mais é do que um grande jogo de empurra. Todos sabem ou fingem saber dos seus direitos, mas acabam se esquecendo dos respectivos deveres. Muito se fala em crescimento, mas pouco se aplica de fato em sustentabilidade. Falam em preservar o meio ambiente, mas querem dinheiro e querem agora. As transformações nas noções do tempo e do espaço refletem o cotidiano das pessoas.
É o prefeito que joga a culpa no governador. É o governador que terceiriza a responsabilidade para o presidente. É o presidente que foge do debate e passa a bola para os ministros. São os pais que terceirizam a educação dos próprios filhos para os professores. É o povo que reclama das enchentes, mas descarta o lixo em qualquer local. É o indivíduo que reclama do coletivo, mas pensa apenas em si mesmo parando em vaga proibida e cortando fila. É o juiz paladino da justiça que falta com a ética. São as indústrias que jogam a culpa para o governo. É o governo que quer fazer cortes sem dar o exemplo.
Exemplos de terceirização não faltam. Pretendem mudar o mundo sem melhorar o próprio interior. A culpa é sempre do outro e assim o ciclo persiste, o velho jogo de empurra. Deixa para amanhã, deixa para depois. Eternamente o país do futuro, tentando ser quem nunca foi. Abrindo as portas e as pernas para o que vem de fora, esquecendo de olhar para dentro. É preciso autorreflexão e humildade para colocar os pés no chão e voltar ao rumo. Modelo empresarial falido, sem PDCA, sem análise crítica, sem resolução de problemas, sem propostas, sem tempo para pensar e ouvir. Apenas terno e gravata sufocando o povo.
O Estado brasileiro nada mais é do que um grande jogo de empurra. Muito se fala em crescimento, mas acabam se esquecendo do desenvolvimento. O valor monetário bruto supera a qualidade de vida e desse modo o país segue sem perspectivas, fadado ao fracasso. Falta vontade popular, falta vontade política, falta vontade econômica. E assim os vereadores jogam para os deputados. Os deputados empurram para os senadores. Os senadores terceirizam o problema para a oposição. A oposição passa a bola para a situação. O governo, perdido como sempre, joga a culpa no passado, esquece que também faz parte desse jogo há três décadas. E o presente? E o futuro?
Com o avanço do capitalismo neoliberal predatório está na moda usar termos do mundo dos negócios, ou melhor, conceitos mercantis de práticas e melhorias do bussiness visando a eficácia e eficiência do discurso de blá blá blá. Muito se fala em gestão pública gerencial, mas no próprio seio das instituições privadas o jogo de empurra passa do presidente para os diretores, dos diretores para os gerentes, dos gerentes para os supervisores e dos supervisores para a base da pirâmide. Relações verticais extremamente hierarquizadas. Ou, se preferir, a brincadeira antiga de passar a batata quente. Perde quem segurar a bomba por último.
Terceirizar significa passar a bucha para o próximo. Significa que poucos ganham em detrimento da perda de muitos. Afinal, nem todos podem ganhar pela lógica do sistema não é mesmo? O sucesso pós-moderno se baseia na derrota alheia; pois, para alguém vencer, muitos precisam perder. Amigos, amigos, negócios à parte. E quem paga a conta? Nariz de palhaço a cada novo boleto pago. Nariz de palhaço a cada novo desvio de verba pública, em cada buraco. E a falácia dos demagogos continua; entretanto, ninguém mais bate panela agora. Autonomia passa a ser sinônimo de autônomos (trabalho informal). Tontos!
Terceirizar é colocar alguém para fazer por um menor custo e todos aqueles direitos que as pessoas achavam possuir vão, aos poucos, se perdendo. Todos querem a mudança, mas ninguém quer mudar. Então uma nova rodada de negociações é necessária. Uma nova terceirização, privatização total, tudo nas mãos de poucos, tudo nas mãos dos empresários. Ah sim, a tão sonhada salvação concreta da selva de pedras. Um salve para os heróis das bolsas de valores, sempre em alta. Tolos!
O desemprego, a falta de moradia e a pobreza são meros detalhes em meio aos outdoors de luxo nas avenidas das capitais brasileiras. É necessário sempre mais. Mais cortes, mais reformas, mais privatizações, mais terceirização. Enquanto isso, atrás das cortinas do teatro, o jogo continua sendo jogado, o velho jogo de empurra.